LITERATURA

F. Scott Fitzgerald: O Grande Gatsby completa 95 anos e livro de contos, inédito no Brasil, é lançado pela Todavia

O autor do livro O Grande Gatsby, que completa 95 anos nesta sexta (10), soube como poucos retratar tanto o glamour quanto a decadência de seu tempo. O elo entre o clássico e os contos escritos em seu último ano de vida é formado por situações autobiográficas e humor irônico

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 10/04/2020 às 16:58 | Atualizado em 10/04/2020 às 17:03
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F. Scott Fitzgerald nasceu em 1896 e faleceu em 1940, aos 44 anos - FOTO: REPRODUÇÃO

Era 10 de abril de 1925 quando F. Scott Fitzgerald lançava seu terceiro e mais popular livro até hoje, O Grande Gatsby. Naquele ano, ele estava vivendo junto com sua esposa, também escritora e artista, Zelda, e a única filha do casal, Frances, na paradisíaca riviera francesa. Assim como os personagens do romance, festas, bebidas e muita música faziam parte do dia a dia do casal Fitzgerald, que ficou conhecido não só pelas suas contribuições literárias, mas também pela vida boêmia e excêntrica que levavam. E igualmente como Gatsby, Nick e Daisy, protagonistas da obra, as celebrações excessivas escondiam problemas que alguns anos depois se agravariam e mudariam para sempre a vida do escritor.

Em 1927, a família volta aos Estados Unidos e os problemas de saúde de Zelda, mal iniciados, se agravaram rapidamente até resultar em sua primeira internação, três anos depois, em uma clínica psiquiátrica com diagnóstico de esquizofrenia. É justamente a partir deste contexto que a relação de F. Scott com Hollywood começa, marcada por diversas idas e vindas até 1940, quando ele morre precocemente de infarto aos 44 anos.

Fitzgerald é um dos mais celebrados escritores da história da literatura mundial. Reconhecido em seu tempo e figura importante da chamada Geração Perdida - da qual também faziam parte Ernest Hemingway, seu amigo pessoal, T.S. Eliot e William Faulkner - F. Scott é realmente um autor ímpar e sua obra ressoa até hoje sem perder a atualidade, seja em suas críticas à sociedade, estilo de escrita e humor. O Grande Gatsby completa este fim de semana 95 anos desde sua primeira publicação e continua dialogando com os dias de hoje.

Nas entrelinhas da linda e complicada história de amor entre Jay Gatsby e Daisy Buchanan, a decadência e os falsos moralismos dos mais ricos são expostos com perspicácia e elegância. Em 1974, Robert Redford e Mia Farrow protagonizam o primeiro filme desta obra clássica. Mais recentemente, em 2013, outra versão cinematográfica volta a encantar o mundo com o enredo de Fitzgerald. Leonardo DiCaprio, Carrey Milligan e Tobey Maguire interpretam, respectivamente, Gatsby, Daisy e Nick, na produção que venceu o Oscar de 2014 nas categorias de Melhor Direção de Arte e Melhor Figurino.

Em seu último ano de vida, o autor, dono de outros sucessos, como Este Lado do Paraíso, Os Belos e Malditos, Suave é a Noite e O Curioso Caso de Benjamim Button, havia trocado Nova Iorque por Los Angeles, trabalhando no ramo do cinema. Décadence avec um pouco menos de élégance do que na Era do Jazz, 15 anos depois de ter lançado O Grande Gatsby, Fitzgerald começa a escrever os contos que seriam publicados mensalmente na revista Esquire e que são agora lançados pela primeira vez no Brasil pela editora Todavia: As Histórias de Pat Hobby (176 pgs., R$ 49,90).

Hollywood se faz então novamente presente na vida e agora na literatura do escritor, desta vez menos como um sinônimo de sucesso e mais como necessidade, pois ele se empenhava em participar da escrita de roteiros para cinema movido principalmente pelas preocupações financeiras de pagar as internações de Zelda e em superar seus problemas com o álcool. Todas as histórias são protagonizadas por Pat Hobby, um roteirista que teve seu auge nos anos 20 e que agora, tomado pela nostalgia das facilidades do cinema mudo, tenta se adaptar aos novos tempos da indústria cinematográfica.

Se em O Grande Gatsby as amarguras e os segredos são revelados aos poucos, entre festas fabulosas e partidas de golfe, o fracasso de Pat Hobby é escancarado nas primeiras linhas. Novamente, o escritor é constantemente comparado ao seu personagem, sendo Pat considerado por muitos como um alter ego de F. Scott, tese refutada pelo tradutor de As Histórias de Pat Hobby, José Geraldo Couto. “Ambos são roteiristas em Hollywood, tendo vivido já seus melhores anos décadas atrás; ambos mulherengos e chegados à bebida. Mas as semelhanças param aí. Pat Hobby é um ignorantão, um vigarista que tenta pateticamente enganar produtores e seduzir secretárias, enquanto busca uns trocados para comprar uísque e apostar nos cavalos”, analisa.

De fato, ao longo dos 17 contos - que podem ser lidos de maneira avulsas mas que apresentam uma linearidade narrativa em sua sequência -, Pat Hobby está sempre elaborando um novo plano dentro dos estúdios de cinema para conseguir alguns contratos, aceitando pagamentos muito inferiores ao que ele estava acostumado. Regido pela lei do menor esforço, o roteirista não tem a malícia necessária para se salvar de situações vergonhosas e quase nunca seus esquemas são recompensados. É tragicómico acompanhar as aventuras de Pat Hobby, mas a prosa impecável e a ironia bem-humorada de Fitzgerald superam em muito os fracassos de seu personagem.

Em Pat Hobby e Orson Welles, o roteirista falido é impedido de entrar nos estúdios que frequentou diariamente nos últimos anos devido a uma mudança dos guardas. Com sua lábia característica, ele consegue um passe livre de um diretor importante e, lá dentro, se deixa convencer por um velho amigo a coloca uma barba falsa. Acontece que Orson Welles estava começando a ficar conhecido e, diferentemente da moda da época, já usava barba.

O sucesso do jovem cineasta incomoda Pat e o confronta com o passar do tempo e as mudança que ele não conseguiu acompanhar. “A psicologia de Pat era, estranhamente, a mesma dos chefões e, de modo geral, ele estava despreocupado, ainda que sem salário. Mas agora havia uma grande pedra em seu sapato: pela primeira vez na vida ele começava a sentir uma crise de identidade”, descreve Fitzgerald.

Para José Geraldo, é possível que Fitzgerald compartilhasse, ao menos parcialmente, a desconfiança que a "velha Hollywood" tinha em relação ao garoto prodígio, visto como um playboy arrogante. “O importante é que ele captou muito bem aquele misto de deslumbramento e reticência (quando não ressentimento) da indústria com o jovem Welles. E há que lembrar que Fitzgerald escreveu seu conto antes de Welles atordoar o mundo do cinema com Cidadão Kane, ele ainda era apenas uma promessa naquele momento”, ressalta o tradutor.

Alguns dos contos são cômicos e menos taciturnos. É o caso, por exemplo, de O Lar das Estrelas, em que Pat Hobby é confundido com um guia de tours pelas mansões dos astros do cinema. Vendo que os visitantes ansiosos do Kansas aparentavam ter bastante dinheiro, ele se aproveita da situação e assume o papel. Claro que nada sai como previsto e, com uma parte do dinheiro adiantada, Pat acaba fugindo de uma cilada, abandonando os turistas que entraram ilegalmente na casa de Shirley Temple.

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As Histórias de Pat Hobby acaba de ser lançado de forma inédita no Brasil pela editora Todavia, com tradução de José Geraldo Couto - DIVULGAÇÃO

Quando morreu, F. Scott Fitzgerald deixou várias das histórias de Pat Hobby escritas e a Esquire continuou publicando-as até maio de 1941. Mas foi apenas em 1962 que os contos são reunidos em um único volume, The Pat Hobby Stories. “Fiquei surpreso ao pesquisar as obras de Fitzgerald inéditas no Brasil e descobrir que esses contos nunca haviam sido publicados em livro entre nós. Embora curtos e escritos num tom de aparente leveza, eles contêm, a meu ver, as melhores características de Fitzgerald: a fluidez narrativa, a observação perspicaz do ambiente sócio-cultural, o "ouvido" para as falas dos diversos segmentos sociais, a ironia cortante, a melancolia”, aponta José Geraldo.

"E o ambiente em que essas histórias se passam - a Hollywood do final dos anos 1930 - é um terreno fértil para as situações cômicas e dramáticas em que Fitzgerald nada de braçada. Vejo o livro como uma espécie de "lado B", ou complemento necessário, do último romance do autor, o inacabado e extraordinário O Último Magnata, protagonizado por um grande produtor de Hollywood. E Pat Hobby, ridículo e comovente em sua inaptidão aos novos tempos, é um dos grandes personagens de Fitzgerald.”

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As Histórias de Pat Hobby acaba de ser lançado de forma inédita no Brasil pela editora Todavia, com tradução de José Geraldo Couto - FOTO:DIVULGAÇÃO

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