O que permanece durante um tempo muito mais longo do que os 122 minutos de duração do filme Os Últimos Passos de um Homem (Dead Man Walking), drama no qual Tim Robbins dirigiu sua mulher (à época) Susan Sarandon, no papel da freira Helen Prejean, é a confrontação com o perdão incondicional. Nesta produção de 1995, o condenado à morte Matthew Poncelet (Sean Penn) encontra na religiosa uma companhia dedicada até seus momentos finais, quando recebeu a injeção letal. Acusado pelo brutal assassinato de um casal jovem, inclusive com estupro da garota, Poncelet é alvo de ódio, desprezo e ressentimento por quantos conhecem sua história. Parte dessa carga negativa resvala na única pessoa que, embora não desculpe o ato hediondo, dispõe-se a ser para ele a face visível do amor cristão.
O documentário Sou Um Assassino, com duas temporadas que totalizam 20 episódios na Netflix, traz de volta esta sensação. A fórmula não é original, claro. Esta produção britânica, iniciada em 2018 e agora disponibilizando sua continuação, vai buscar no filão da investigação de casos policiais – e quanto mais assustadores, melhor – a sua razão de ser. Mas, de uma maneira inesperada, mesmo que abuse de tomadas repetidas de detalhes de paisagens que se intercalam com arames farpados e grades, consegue atingir este lugar que extrapola o sensacionalismo e volta a tocar nesta corda tão delicada que é a sublimação de uma ferida na alma que jamais será fechada.
O formato é bem direto. Um entrevistador, na maior parte das vezes em off, conversa cara a cara com condenados que estão no corredor da morte, sempre por assassinatos, que é o crime condizente com a pena capital no Estados Unidos, em alguns casos. A condução segue uma cronologia que sem mantém igual para todas as faces. Depois da identificação do detento, uma pergunta aberta que o leva a relatar sua infância.
E é neste ponto inicial que o espectador já passa a exercer inescapavelmente a função de jurado. Expostos que somos a um sem fim de relatos que invariavelmente reportam horrores que nenhuma criança jamais deveria sofrer, nos lançamos silenciosamente a primeira pergunta retórica: o mal existe por si só ou ele é construído com a colaboração de muitos? Se abusos não fossem perpetrados de modo a deformar aquela personalidade em construção, esta pessoa teria feito o que fez? A pergunta fica em aberto.
Assim como fica no ar uma terrível sensação de impotência diante do que não pode ser mudado. “Não se pode ‘destocar’ um sino que foi tocado”, diz um dos entrevistados. Esta é uma constatação que é repetida quase pela totalidade dos criminosos, com maior ou menor grau de visível arrependimento pelas vidas que foram interrompidas com uma violência que desafia todo e qualquer parâmetro de humanidade. Se não estivéssemos falando de pessoas que cometeram, sim, aqueles atos contra outras pessoas.
Do outro lado, o das vítimas, a mesma sensação de "o pior já aconteceu e nada mais importa" perdura. Os que encontraram forças para perdoar, invariavelmente, se apoiaram em algum fator de espiritualidade. A fé como suporte para algo que, a princípio, além de incompreensível e inútil, é intransponível.
O intervalo de dois anos entre as temporadas é plenamente justificado ao imaginarmos a complexidade envolvida no trabalho de vencer a burocracia prisional dos EUA, que restringe enormemente o acesso da mídia ao corredor da morte. E não apenas isso, a equipe dirigida por Koulla Anastasi vai buscar depoimentos também de familiares e amigos de ambos os lados, tecendo, desse modo, uma intrincada manta de vidas que se cruzam até o desfecho fatal.
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