O diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, funcionário do alto escalão da Organização das Nações Unidas (ONU) morto em um atentado terrorista, parece ser uma figura de fascínio para o diretor americano Greg Barker. Em 2009, o cineasta investigou o trabalho e a vida de Vieira de Mello em um documentário, que por sua vez era baseado em uma biografia vencedora do Pulitzer. Barker agora retorna à figura do diplomata, agora impulsionado pelo drama e pela ficção. Sergio é uma produção da Netflix e está disponível a partir de hoje no catálogo do serviço de streaming. O diplomata é vivido por Wagner Moura - que também assina a produção do filme -, ao lado de Ana de Armas, cubana que vive momento de franca ascensão em Hollywood.
Aqui, acompanhamos principalmente as últimas missões de Sérgio, em seu empenho durante o processo de independência do Timor Leste, país asiático que passou anos sob a dominação da Indonésia, e também sua atuação no início da Guerra do Iraque. É nesse período em que desenvolve um relacionamento com a argentina Carolina Larriera (Ana de Armas). Seu enredo começa a ganhar sua forma predominante quando uma explosão nos escritórios da ONU em Bagdá soterra o diplomata em escombros, momento em que começa a pensar nos eventos marcantes de sua vida recente enquanto são realizados esforços para seu resgate.
Eterno Estrangeiro
É a partir daí que Barker coloca sua energia em investir num certo nomadismo dramático, tendo a ideia do deslocamento/pertencimento como principal motor do filme. É uma maneira de lidar no nível da encenação com os conflitos inerentes ao modo de vida de Sérgio aos nossos olhos. É a vida de um homem que sempre está por aí no mundo, de difícil observação sobre onde estão suas raízes e seu portos seguros. O diretor investe em uma estrutura de enredo e encenação que concilia bem alguns aspectos estéticos com os temáticos. Mas que também acaba tendo outros desperdícios de um impacto emocional que claramente era uma de suas pretensões.
O primeiro ponto dessa conduta é a escolha de uma estrutura narrativa, de certa forma, episódica, que também recusa a linearidade. Utiliza o artifício do fluxo de memória, com aquela ideia de ver um filme da vida antes da morte. A partir disso, Barker talha melhor essa proposta de uma sensibilidade do deslocamento, de um ser permanentemente estrangeiro. Não vai ser um ou outro conflito diplomático, seja no Timor Leste ou no Iraque, o centro ou o principal condutor da obra. Mas a "simultaneidade" desses eventos, o vai e vem no espaço e no tempo, acaba sendo a principal energia do filme.
É um caminhar que dá conta esteticamente em vários aspectos do drama vivido por Sérgio, que nunca está completamente em um lugar específico. Seus filhos não tem como o idioma principal o mesmo da avó ou do país em que estão, suas relações amorosas também são com pessoas de línguas e nacionalidades distintas, assim como suas amizades. Uma abordagem visual também muito documental e crua é usada para carregar essa tônica, principalmente com uma câmera que se porta com leves instabilidades e vive acompanhando quase magneticamente Sérgio e seu olhar e reforçando um mundo estrangeiro a sua volta.
Mas trata-se de uma escolha que tem um preço. Se por um lado, o vai e vem ambienta formalmente os conflitos propostos, ele também atenuando uma força dramática. Além da já citada sensação de deslocamento proposta, a estrutura de Sergio também tem objetivo de dar uma amplitude às ações do diplomata e colecionar momentos distintos para formar um mosaico de sua vida.
Nesse ponto, essa tarefa é realizada com deficiências. A tentativa é de construir Sérgio como um desses heróis da vida real, que se preocupam com o mundo ao seu redor e busca a conciliação por meio do diálogo e das trocas de experiências, mas que também fala palavrões e têm seus defeitos. O trabalho de Wagner Moura, com uma postura altiva e um sorriso aberto, dotado de ternura e fascínio, ajuda na concepção dessa figura. Mas ainda assim, a sensação é de que há o que se aprofundar ali, nessas suas vivências e na ideia quase utópica de se fixar em algum lugar. Muitas vezes seus conflitos internos e externos são expostos mais pelo ilustrativo e até didático, do que por uma base emocional mais ampla e intimista.
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