LITERATURA

Escritores independentes pernambucanos se adaptam à nova rotina a partir das redes sociais

Fred Caju, Mariane Bigio, Cleyton Cabral e Luna Vitrolira têm trajetórias diferentes na cena literária mas todos enfrentam as dificuldades da pandemia com criatividade nas redes sociais

JC
Cadastrado por
JC
Publicado em 20/04/2020 às 15:46 | Atualizado em 20/04/2020 às 15:55
LARA VALENÇA/DIVULGAÇÃO
Mariane Bigio, cordelista, escritora de livros infantis e cantora - FOTO: LARA VALENÇA/DIVULGAÇÃO

Há cerca de um mês toda a dinâmica de produção, distribuição e fruição artística foi transformada a partir do avanço aterrorizante do coronavírus. Artistas independentes se viram obrigados a repensar em como executariam seus projetos durante os próximos meses e as novas demandas surgidas com o isolamento social se intensificaram a partir do uso ainda mais frequente das redes sociais.

Através delas, as salas das casas dos artistas se transformaram em palcos, os abraços ao fim dos espetáculos são agora comentários nas postagens e o público, tão querido e necessário, acompanha tudo através de vídeos e postagens. E justamente elas, as redes sociais, que sempre foram uma plataforma de divulgação para escritores, ganharam ainda mais importância nas últimas semanas para os pernambucanos Fred Caju, Mariane Bigio, Cleyton Cabral e Luna Vitrolira.

Cordelista, escritora de livros infantis (O Baú de Surpresas, O Boizinho Encantado e O Pavão e o Rouxinol, entre outros) e contadora de história, Mariane teve seu cotidiano transformado pelo Instagram. Acostumada a se apresentar em eventos, a solução encontrada por ela para não perder esse contato com o público se deu com a realização diária de lives no intuito de aliviar, através da literatura, o dia a dia das famílias com crianças pequenas. De live em live, o número de seguidores de Mariane cresceu e, ao longo do último mês, ela ganhou mais de 30 mil novos leitores com quem se comunica diariamente pelas postagens.

"Sempre usei as redes sociais como vitrine para meu trabalho, falava sobre meus livros e meus cordeis. Mas agora o Instagram não é mais um complemento, virou praticamente meu trabalho. Novas demandas envolvendo outros aspectos comerciais acabaram surgindo", conta. "Mas esses seguidores vieram pelo conteúdo, pela literatura e eu sigo com meu foco que é o de alcançar as pessoas através da minha arte. Tenho conseguido produzir bastante esses dias, todo dia escrevo um pouco e estudo as histórias que vou gravar ao longo da semana", conta.

Poeta e editor da Castanha Mecânica, Fred Caju também vem fazendo uso do Instagram para pensar novos jeitos de produzir. Ele teve que fechar as portas do seu espaço Colofão.lab, localizado no bairro de Santo Amaro, no Recife, e, com isso, os encontros entre escritores e leitores e as visitas ao atelier estão suspensas. Mas a produção artesanal dos livros feita por ele continua, além de novas iniciativas que surgiram a partir dos meios digitais.

Desde o início deste mês, Fred disponibiliza uma promoção diferente cada semana. Outra novidade foi transpor os versos das páginas dos livros para as paredes de seus leitores, em quadros que ele vende já emoldurados. "Tudo tem funcionado por entrega via correios. A editora começou sua história com ebooks livres e atualmente estou colocando online todos os livros analógicos que publiquei para leitura gratuita e integral", explica Fred.

"As redes sociais sempre foram fundamentais para a circulação dos livros. Elas acabaram tornando o fluxo mais intenso neste período conturbado, mas é preciso se reinventar para entrar na disputa digital", reflete o escritor que, a partir da próxima semana, inicia também uma programação de lives com leituras e conversas entre autores.

Vender através da internet e enviar os exemplares tem sido uma das soluções adotada também pelo escritor e dramaturgo Cleyton Cabral, autor independente cujos livros não costumam estar nos estoques das livrarias. Sempre antenado com as novas ferramentas de comunicação, Cleyton sabe tirar proveito das redes sociais e utilizá-las como forma de canalizar sua energia criativa durante a quarentena, criando vídeos e séries divertidas de diálogos imaginários, além de liberar conteúdos antigos.

"A arte tem a capacidade de entreter, informar e provocar reflexões. Uma pena que nossos governantes ignorem isso e tenhamos visto, do sofá, o desmonte da cultura no país", pontua. "Estamos incorporando cada vez mais ao nosso ofício o perfil empreendedor. Não basta pensarmos nossas criações, como também viabilizá-las, colocar pra girar. E o uso da tecnologia e das redes sociais tem sido um espaço importante para fazer fruir o que produzimos."

Autor das coletâneas de contos Tempo Nublado no Céu da Boca (2013), Planta Baixa (2019) e da peça infantil O Menino na Gaiola (2017), Cleyton se prepara para lançar em breve dois novos livros - um de contos e outro de poesias - e está escrevendo uma dramaturgia inédita nestes dias de isolamento social.

Luna Vitrolira é outra escritora e atriz que tem encontrado bastante inspiração nos últimos dias e dividido versos e reflexões no Instagram. Durante as primeiras semanas de quarentena, ela preferiu ficar mais reclusa e processar os acontecimentos, mas agora se sente à vontade para divulgar seus Vitrolirismos, pílulas poéticas, mesmo tendo uma visão particular do papel das redes sociais.

"Reconheço que é uma forma de nos mantermos próximas das outras pessoas, das amizades, familiares, do nosso público, mas não consigo lidar positivamente com a compulsão do momento. O Vitrolirismo é um projeto meu que nasceu, em outra fase, no Instagram como uma forma de oferecer pequenas doses de poesia, numa estrutura de captação visual e compreensão instantâneas, enquanto motor de reflexão no meio do tumulto de informações das redes. Retomei no dia primeiro de abril como uma forma de ressignificar esse estímulo de reflexão com textos inéditos escritos especificamente para esse momento de desmonte e desgoverno que nosso país está passando", explica.

Mesmo sem uma periodicidade fixa, essas postagens têm uma grande receptividade por parte dos leitores e muitos comentários positivos. "Esses poemas são resultado das minhas meditações e do que venho pensando. Posso fazer três postagens no mesmo dia e passar uma semana em silêncio, exercitando inclusive o que estou dizendo na postagem. Não adiantaria de nada dizer e ser da boca pra fora", pontua.

São múltiplas as abordagens encontradas por escritores independentes para se manter ativo durante esses dias difíceis. Cada nicho literário tem suas especificidades e cada artista as encara de acordo com sua bagagem cultural e emocional. Mas é certo que no momento em que as distâncias estão cada vez mais duras de serem vividas, fazer uso das redes sociais para manter a conexão com seus leitores ou divulgar seu trabalho é uma alternativa em comum entre eles.

Lara Valença/ Divulgação
Mariane Bigio, cordelista, escritora de livros infantis e cantora - Lara Valença/ Divulgação
Alex Ribeiro/ Divulgação
Cleyton Cabral, contista e dramaturgo - Alex Ribeiro/ Divulgação
Jan Ribeiro/ Divulgação
Luna Vitrolira, poeta e atriz - Jan Ribeiro/ Divulgação
Jan Ribeiro/ Divulgação
Fred Caju, poeta e editor da Castanha Mecânica - Jan Ribeiro/ Divulgação

Comentários

Últimas notícias