LITERATURA

Marina Colasanti reflete sobre a passagem do tempo em novo livro 'Mais Longa Vida'

Lançamento da editora Record, livro reúne mais de 100 poemas em que diversos momentos da vida da poeta de 82 anos estão presentes

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 18/05/2020 às 16:49 | Atualizado em 09/09/2020 às 13:58
Divulgação
Marina Colasanti, escritora e pintora ítalo-brasileira - FOTO: Divulgação

Marina Colasanti tinha apenas nove anos quando sua família, italiana, decidiu se mudar para o Brasil. Era 1948 e o dia a dia estava até pouco tempo antes marcado pelos horrores da Segunda Guerra Mundial, detalhes que ela já dividiu no livro autobiográfico Minha Guerra Alheia, terceiro lugar do Prêmio Oceanos em 2011. Agora, 72 anos depois, as lembranças daqueles dias difíceis ficaram ainda mais vívidas devido ao atual acontecimento histórico pelo qual o mundo passa e que a ensaísta, poeta, contista, pintora e autora de livros infantis testemunha entre horas de escrita e de anseios.

Salvo às devidas diferenças, para ela é possível, sim, traçar um comparativo entre a forma em que se viveu durante aqueles seis anos na Europa e os tempos atuais. “Não sei das outras pessoas. Mas eu, que tenho essa vivência, fiz a ligação imediata e estabeleci na minha cabeça que estou em regime de guerra. Como o que é possível comer, não me queixo da situação, não tenho ânsias de ir para a rua, uso máscara para atender às entregas, suporto o que temos que suportar. Como dizíamos durante a Guerra, um dia acabará. E um dia a guerra acabou. Assim como a covid acabará”, avalia.

Marina acaba de lançar pela editora Record um novo livro de poesia, intitulado Mais Longa Vida (160 págs, R$ 39,90 livro físico e R$ 29,90 e-book), que reúne mais de 100 poemas divididos em seis partes: Pontos de Percurso, Soprar as Brasas, Dupla Viagem, De Mulheres, Colher e Partir e Amor e Delicadeza. A obra é uma vida em versos, com lembranças da infância e memórias familiares (como nos delicados Nos Pálidos Pés e Gravura na Neve), dores das perdas que sofreu (Se Apenas ou Da Minha Mãe), o processo de envelhecimento (O Que Se Vai e Inútil Cariátide) e percepções aguçadas da vida cotidiana (como Um Entre Tantos, em que capta um fragmento de conversa alheia que revela o abismo social e violento do Brasil). Tudo está aí, de forma cativante, bela, clara e sincera.

O livro chega ao mercado editorial após uma década desde seu último lançamento poético, Passageira em Trânsito. Neste meio tempo, publicou obras de contos, ensaios e oito livros infantis. “O processo de escrita de poesia é, pelo menos para mim, lento. Há que deixar decantar cada verso, cada palavra. E melhor se for à sombra. Levo muitos anos trabalhando um único livro de poesia”, explica. A capa do livro foi, como sempre nas obras de autora, ilustrada por ela mesma.

Divulgação/ Editora Record
Capa do livro Mais Longa Vida - Divulgação/ Editora Record

"A idade nos torna mais generosos"

Nascida na Eritreia em 1937, Marina Colasanti morou ainda em seus primeiros anos de vida na Líbia e na Itália. Seu avô, Arduíno, era especialista em história da arte e foi uma grande influência para a escritora. Aliás, não faltou estímulo artístico em sua trajetória. Sua tia-avó, Gabriella Besanzoni, era cantora lírica e se casou com o brasileiro Henrique Lage e foi com eles que ela morou por dois anos após perder sua mãe, vítima de um câncer, com apenas 40 anos. O palacete carioca no qual a poeta viveu dos 16 aos 18 anos é o local onde hoje se ergue o Parque Lage.

Em 1962, Marina começa a trabalhar no Jornal do Brasil, onde atuou por cerca de 10 anos como repórter e cronista e de lá seguiu para a função de editora de comportamento da revista Nova. É importante lembrar um pouco da variedade de atividades e acontecimentos das últimas oito décadas na vida da autora pois além de muitos poemas serem autobiográficos, questões relativas à passagem do tempo estão presentes de forma constante em Mais Longa Vida. Mas é interessante também observar que os poemas não apresentam uma percepção saudosista do passado, apesar do caráter por vezes nostálgico.

“Hoje tenho 82 anos, toda uma vida de experiências acumuladas, uma vida povoada por leitura e arte, o que me permite pensar a infância filosoficamente. Idade e leitura servem para isso, para aprimorar o pensamento e o olhar, fazer links que na juventude não eram possíveis, incluir o entorno e o momento histórico, considerar as motivações alheias, abrir o leque. A infância exige ser autocentrada como forma de sobrevivência. A idade nos torna mais generosos”, pontua Marina.

Assim como em seus livros de poesia anteriores, Mais Longa Vida contempla um pouco da língua natal de Marina, com três poemas em italiano, sem tradução. Para ela, é uma afirmação de sua italianidade. “Meu italiano há de ter envelhecido, como eu, já que não o falo com ninguém e não o refresco. Mas, como o leite materno, continua plantado fundo no meu coração.”

Leia o poema No Exato Momento:

"Tão passageira a vida,
e é só o que temos.
E a tudo o que nela cabe
damos importância,
quando o que conta é o trânsito
de ar e sangue
que sístole e diástole garantem.
Haverá adiante
um ponto de mudez
e o último esforço das válvulas
uma e outra
arremessando o sol na escuridão
e entornando as estrelas
da Via Láctea."

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