Um anúncio à primeira vista inusitado tomou conta da página 25 da edição do último domingo deste Jornal do Commercio. "A Poesia Sonora e o Coronavírus", título em negrito, acima de um edital de loteamento, à direita de uma matéria sobre a jovem ativista Greta Thunberg e abaixo de uma análise das polêmicas declarações do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Mas este não era um classificado como os outros e sim uma convocatória solidária do artista Paulo Bruscky, pioneiro da Arte Correio no Brasil na década de 1970, junto a Daniel Santiago, e um dos nomes mais importantes da arte conceitual brasileira.
Há cerca de 40 anos Bruscky vem publicando em jornais do mundo todo, além de manter seu importante trabalho performático, de videoarte, xerografia e fotografia. Alguns de seus classificados são mais abstratos - como o icônico anúncio da venda de uma máquina de filmar sonhos, em 1977 - e outros possuem propostas mais diretas, como o do último fim de semana, em que o artista convoca as igrejas do Recife e de Olinda a tocarem seus sinos ao mesmo tempo no próximo dia 31 de maio em homenagem aos profissionais de saúde que estão trabalhando na linha de frente com paciente da Covid-19. Mas em todos eles há uma base sólida ideológica formada por três pilares que norteiam a produção do artista desde então: informação, protesto e denúncia.
"Eu continuo a trabalhar a partir dessa ideia, ela vai me acompanhar até minha morte. Ando sempre com minhas antenas aguçadas, acompanho tudo", afirma o artista de 71 anos. Mas nem sempre foi fácil para Paulo conseguir se expressar livremente. Em 1976, por exemplo, ele estava organizando a segunda edição de uma exposição internacional de Arte Correio no Recife quando ela foi censurada e fechada pelo Regime Militar, período em que, inclusive, ele foi preso mais de uma vez.
"Com minha obra, dou meu depoimento sobre o mundo. Aguento as consequências como sempre aguentei. No dia em que tiver medo da censura, inclusive de uma autocensura, é melhor que eu morra. Assim como a imprensa, exerço minha função de artista que é de denunciar, falar a verdade, por isso continuo também com a Arte Classificada."
Optar por um meio de comunicação analógico em meio à uma rotina majoritariamente digital é um ato que vem acompanhado de um forte simbolismo - tanto para o público quanto para o próprio artista. Na era da desinformação, termo cunhado após o aumento exponencial de fake news a partir de 2016, se ater e continuar confiando na imprensa tradicional é uma prerrogativa em sua vida. Paulo Bruskcy ressalta a todo mundo a importância de se manter informado e de que, para ele, jornais e revistas nunca vão acabar.
E não é só pela sua formação em Jornalismo ou pelo anos que trabalho no setor de comunicação de Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamp). Há nessa relação uma paixão pelo papel enquanto material e um fascínio pelos registros históricos.
"Sou assinante de algumas revistas e venho recortando e guardando tudo que está saindo a respeito do Coronavírus. Leio relatos de médicos, motoristas de ambulâncias... É um momento muito difícil e o Brasil, epicentro da doença na América Latina, não está tomando as providências que deveria. Tenho produzido algumas coisas sobre questões relacionadas ao isolamento social provocado por essa pandemia. A solidão sempre foi um tema presente na minha obra e tenho refletido bastante sobre a fragilidade do mundo."
Arte e Política
Indissociáveis, a arte e a política formam uma díade já debatida sob olhares dos mais diversos e ainda assim continua sendo fonte inesgotável de reflexão. Na obra de Bruscky, a crítica sempre esteve intrinsecamente ligada à produção artística, assim como o humor e a ironia. Em 2017 ele foi o único artista pernambucano a participar da 57ª Bienal de Veneza, um dos eventos mais importantes do setor, integrando a exposição principal. Na ocasião, teceu críticas ao então presidente Michel Temer e fez provocações, em uma performance, ao esvaziamento de sentidos na arte contemporânea.
Para ele, vive-se atualmente outro tipo de ditadura no Brasil em que os inimigos do Governo Federal são a educação e a cultura. “Os intelectuais sempre são os maiores inimigos dos regimes ditatoriais e é isso que estamos vivendo. O Palácio do Planalto se transformou em um quartel, tem cerca de 140 militares em cargos de confiança.” E justamente neste contexto, mais uma vez, a arte é necessária.
"A importância da arte é justamente ela não ter apenas uma função específica. Ela acompanha as pessoas, por isso as lives, e também liberta, faz refletir. Estamos passando por um momento em que é preciso refletir mais, questionar." Parafraseando o próprio Bruscky, que em 2013 realizou uma exposição no Bronx Museum, em Nova York, intitulada Art Is Our Last Hope, a arte continua sendo e talvez sempre será a última esperança.
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