LITERATURA

Questões urbanas e sombrias no primeiro livro de Ney Anderson, 'Espetáculo da Ausência'

Pernambucano acaba de lançar pela editora Patuá seu primeiro livro solo. São 31 contos ambientados no Recife

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 31/05/2020 às 8:00
Gustavo Arland/ Divulgação
Jornalista e escritor pernambucano Ney Anderson, autor do livro "O Espetáculo da Ausência" - FOTO: Gustavo Arland/ Divulgação

A imagem da capa denuncia, antes mesmo de dar início à leitura, a atmosfera das narrativas que seguem: um cavalo ilustrado com variações de cinza parece aterrorizado, em grande sofrimento. Os 31 contos de Espetáculo da Ausência (editora Patuá, 170 pgs., R$ 40), de Ney Anderson, carregam justamente aspectos um tanto sombrios, personagens com fortes traumas passados e questões familiares mal ou nada resolvidas.

Este é o primeiro livro solo do pernambucano que, além de já ter participado de algumas antologias, mantém desde 2011 o blog Angústia Criadora, em que publica resenhas de livros e entrevistas com escritores nacionais. “A vontade em ser escritor sempre existiu. Com o passar dos anos eu fui alimentando esse desejo através da prática da escrita e da leitura constante. De alguma forma, resenhar e ler tantos livros me ajudou no aspecto técnico, de tentar criar uma voz original no meio de tantas vozes”, conta.

Dos anos passados escrevendo sobre livros e participando de oficinas de escrita criativa, Ney estreitou laços de amizade com alguns autores, como os que assinam a apresentação, prefácio e posfácio de seu livro, Raimundo Carrero, Luiz Antonio de Assis Brasil e Cícero Belmar, respectivamente.

As questões urbanas, com grande foco na área central do Recife e ruas conhecidas de quem tem o costume de caminhar por essa região formam outro elo entre todos os contos. A cidade aparece não apenas como cenário das histórias, mas como próprio personagem. Difícil imaginar alguns dos contos serem transportados narrativamente para outros locais, mesmo as temáticas principais sendo universais.

Todos os textos apresentarem figuras que estão passando por um momento de muitas dúvidas, à procura de algo, de preencher alguma lacuna emocional. Outra característica de Espetáculo da Ausência são os finais repentinos. Em muitos casos não apenas o leitor mas o próprio protagonista é pego de surpresa. “Ninguém sabe o que pode acontecer quando dobra uma esquina, à noite, mesmo tendo feito aquele caminho diversas vezes e nunca ter acontecido nada. Eu tento levar o inesperado para a ficção por achá-lo muito atraente e provocador. Os meus textos carregam essas esquinas soturnas”, pontua Ney.

Leia trecho do conto Um Anjo Elegante no Inferno:

" (..)

Clara sai do apartamento e vai até à Praça do Diário, entre as mulheres que ficam por ali oferecendo prazeres ou conversas. Vai- dosas, pintam as unhas, arrumam os cabelos, passam batom. Alguns homens chegam, conversam, dão risadas e vão embora. Clara se aproxima daquelas mulheres e fica observando o vai e vem das pessoas.

A cada minuto desse novo momento ela se sente livre, como nunca havia estado antes. Experimenta o vento batendo em seus cabelos e o ar entrando facilmente em seus pulmões. Tudo tem um novo cheiro. Um novo sabor. Sensações que estavam apagadas da sua memória, mas que aos poucos ela começa a compreender o porquê. Tudo passa a fluir tranquilamente como nas páginas de um livro bem escrito

- Admirando a confusão?

- Como é?

- Você ficou observando o movimento. Está esperando alguém?

- Não. Na verdade não sei muito bem porque estou aqui.

- Aqui é o centro da cidade, querida, o que tem de estranho nisso?

(...)"

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