ESTREIA

Documentário 'Indianara' concilia lutas e afetos de combativa ativista trans

Após intensa circulação por festivais pelo mundo, 'Indianara' estreia nas plataformas de streaming trazendo episódios da vida de Indianara Siqueira, ativista e fundadora do lar de acolhimento Casa Nem

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 26/06/2020 às 16:11 | Atualizado em 26/06/2020 às 16:17
SANTALUZ/DIVULGAÇÃO
A ATIVISTA INDIANARA SIQUEIRA É TEMA DE DOCUMENTÁRIO - FOTO: SANTALUZ/DIVULGAÇÃO

Logo de cara, vemos logo imagens de um caixão, acompanhado por um séquito de mulheres de olhares sóbrios. Após as falas de despedidas, somos transportados para uma casa agitada, com música, conversas altas, discussões e palavras de ordem riscadas nas paredes. São dois momentos que justapostos, sintetizam as nuances da vivência de Indianara Siqueira, líder ativista trans, registradas no documentário Indianara. O filme já está disponível nas principais plataformas de streaming on demand e também será lançado para mais de 195 países no próximo mês, por meio do serviço Mubi. Dirigido por Marcelo Barbosa e Aude Chevalier-Beaumel, o longa acompanha diversos eventos durante dois anos da vida de sua personagem principal, os lugares que ocupa e as pessoas que lhe rodeiam. E a partir dessa do registro dessas rotina, surge um quadro maior sobre o Brasil dos últimos anos.

Indianara vem de uma intensa jornada por festivais ao redor do mundo, indo de Cannes, dentro da mostra Acid, ao Janela Internacional de Cinema do Recife. Uma trajetória que não estava a vista quando Marcelo e Aude decidiram que iam contar a história da ativista sem uma grande equipe ou grandes recursos, apenas os dois indo pra lá e pra cá fazendo os registros.

Segundo Barbosa, trata-se de um projeto que foi executado sem grandes preparações, guiados principalmente pelo fascínio que exercia a personagem-título. "Aude conhecia Indianara de um projeto anterior e eu a conhecia também das manifestações, lutas e também das festas engajadas que ela promovia. Chegou um momento que era muito óbvio ter ela como nosso projeto, com todo seu histórico de lutas e mobilizações, além de sua presença quase mítica. Mergulhamos de vez, sabendo apenas que seria um longa", relata Marcelo.

Assim, encontraram uma receptividade e um bem estar na frente das câmeras por parte de Indianara e das habitantes da Casa Nem, espaço de acolhida para pessoas LBGTQIA+ em situação de vulnerabilidade, fundada e gerida pela ativista. Por lá, pipocam momentos de afeto, conflitos, organização e luta. O documentário não se foca em traçar uma condução didática sobre a história e vida de Indianara, mas consegue pautar as especificidades de sua vivência a partir de eventos igualmente específicos: um casamento, manifestações na rua, um dia de sol com piscina no quintal e a presença na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Uma abordagem que pontua muito bem como sua luta na esfera pública e sua vida íntima se entrelaçam.

Essa articulação foi pensada na fase da montagem, já que a dupla de diretores não tinha um rumo certo a seguir, levados pela efervescência política do momento e em como tal período ia se costurando com a vida de Indianara. "A gente ia muito pelo calor das coisas e começando justamente nesse momento que o Rio de Janeiro estava pegando fogo. Desde quando vazaram os áudios de Joesley Batista e achávamos que o Temer ia renunciar, depois a intervenção militar, os movimentos e Indianara nas ruas. A gente não sabia exatamente a história, só sabíamos que não queríamos fazer um filme só sobre luta e sofrimento", relata Marcelo.

Viradas

Quando chegou o momento de articular o material gravado, veio a primeira frustração. O montador Quentin Delaroche logo atestou que não havia uma história ali. Ciente das lacunas, voltaram para mais gravações para preenchê-las. Nessa caminhada, presenciaram momentos de ternura, mas também verdadeiros pesadelos. A vereadora Marielle Franco é uma das personagens que orbitam o mundo das lutas de Indianara, principalmente na defesa de pautas LBTQIA+ no âmbito da política institucional. Seu assassinato em março de 2018 é uma invertida na tônica do filme e da vida política de um modo geral.

"A partir dali, parece que o grito por direitos se transforma no grito por sobrevivência. Foi um recado sobre quem realmente mandava e a gente não sabia muito bem como responder. Do mesmo jeito que ríamos por trás das câmeras quando filmamos vários momentos da personalidade engraçada de Indianara, choramos também filmando esse outro momento", conta Barbosa.

SANTALUZ/DIVULGAÇÃO
TRECHO DE 'INDIANARA' - SANTALUZ/DIVULGAÇÃO


O caráter imersivo e etnográfico do documentário, com uma câmera que se movimenta bem alinhada com as dinâmicas dos espaços e se ancora em um presente, acaba por transformar Indianara em um documento que capta tão bem o espírito de um tempo. Há um abraço nas incertezas e nenhuma ambição de trazer respostas para as contradições e mazelas que se encontram também no campo progressista. Mas ficam as poderosas lições de sobrevivência no dia após dia, que são verdadeiros atos políticos no país que lidera o ranking de assassinatos de pessoas trans.

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TRECHO DE INDIANARA - FOTO:SANTALUZ/DIVULGAÇÃO

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