LITERATURA

Morre no Recife a poeta Terêza Tenório, da Geração 65

Escritora e advogada, Terêza faleceu aos 70 anos. Ela deixa um vasto legado e de muita força poética

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 08/06/2020 às 17:47 | Atualizado em 08/06/2020 às 18:30
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GERAÇÃO 65 Terêza Tenório foi um dos importantes nomes da poesia pernambucana, contemporânea de Alberto da Cunha Melo e Raimundo Carrero - FOTO: DIVULGAÇÃO/ CEPE

Faleceu no último domingo (7), no Recife, aos 70 anos, a poeta Terêza Tenório, um dos nomes mais emblemáticos da Geração 65. Ela estava internada há cerca de um mês devido a complicações de saúde decorrentes da doença que carregava há quase 15 anos, o Mal de Alzheimer, e sofreu uma parada cardiorrespiratória, segundo informações divulgadas pela família. A notícia de sua morte pegou de surpresa a comunidade literária pernambucana nesta segunda (8) e tanto contemporâneos quanto poetas da nova geração lamentam sua partida.

Além de escritora, Terêza foi advogada e integrante de movimentos sociais contra a violência. Ela nasceu no dia 30 de dezembro de 1949, no Recife, e começou a escrever muito jovem, ainda adolescente. "Ela era uma pessoa forte, determinada em atingir seus objetivos, perfeccionista e austera quando seus valores e princípios eram, indevidamente, questionados. Ela tinha um propósito, uma meta: deixar para todos os seus uma lembrança, deixar a continuidade do que seria melhor para a sociedade, para um mundo melhor", lembra seu irmão Estanislau.

Apesar de ter parado de produzir artisticamente muito cedo (ela tinha apenas 54 anos quando foi diagnosticada com Alzheimer), Tereza Tenório publicou oito livros, entre os quais "Poemaceso", que lhe rendeu alguns prêmios, como o da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1986. Além das coletâneas poéticas, escrevia muito para revistas e jornais. "Era uma poeta de muito vigor, publicava com muita frequência e sua poesia tinha uma força que vinha de sua visão política e social do país, colocada ora de forma muito objetiva ora metafórica", lembra o escritor e contemporâneo de Terêza da Geração 65, Raimundo Carrero.

"Nos conhecemos no final da década de 1960 e nos reuníamos junto com os outros integrantes todos os  sábados. Depois, quando a livraria Livro 7 inaugurou, ela virou nosso ponto de encontro quase que diário. Comíamos amendoim e discutíamos literatura, idealizávamos, sonhávamos e militávamos em plena Ditadura", desabafa Carrero. "Recebo a notícia com grande dor. A morte de Tereza deixa um vazio na poesia pernambucana já tão combalida com a morte de Lucila Nogueira, Alberto Cunha Melo e Marcus Accioly há algum tempo, todos pertencentes à histórica geração 65, empobrece o nosso universo literário."

Poesia atemporal

Mas a obra da pernambucana também continua reverberando na produção de novos artistas, o que demonstra a força atemporal de seus versos. Luna Vitrolira é uma poeta que foi diretamente influenciada por Terêza. Tanto que, em 2014, ela realizou junto a Thiago Martin, Rodrigo Félix e Jack Rubens o espetáculo poético-musical Não Os Queríamos Sagrados, título de um poema de Terêza Tenório. Em uma das apresentações na Balada Literária, em São Paulo, o grupo contou inclusive com a participação de Lirinha e da banda Mustache e os Apaches.

"Eu sou muito fã da poesia dela. Sua obra é impactante, muito bonita, profunda e mística. Envolve elementos do sagrado, ela fala muita sobre espiritualidade e isso me toca muito. Além disso, a rítmica da poesia de Terêza é incrível", pontua Luna. "A forma como ela fala do amor... "O amor passeia entre os rochedos/ O amor à beira-mar, no entre-rio (...) Esse poema [Mutável Como o Pássaro na Rama] é muito lindo."

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OBRA Em 2018, a editora Cepe lançou um volume que reúne toda a obra poética de Terêza Tenório - DIVULGAÇÃO/ CEPE

Outro escritor que pesquisou intensamente a obra de Terêza Tenório é Wellington de Melo. Foi ele quem organizou o livro "Toda Poesia", lançado em 2018 pela Companhia Editora de Pernambuco, que reúne toda a obra da poeta. "Terêza era considerada a musa da Geração 65. Sua poesia trabalha bastante a dimensão do mito, principalmente na primeira fase. Depois, nos anos 1990, ela retoma a questão da mitologia no livro "Fábula do Abismo". Questões pós-modernas são também bastante presentes, ela tem uma obra bastante experimental chamada "Corpo da Terra" em que temas relacionados à perda e à ausência aparecem", pontua o pesquisador.

"Tive a honra de editar sua "Poesia Reunida" pela Cepe Editora e "A musa roubada", este último com Lucila Nogueira, com poemas inéditos de Tereza. Esse material possibilitará que sua obra não seja esquecida e que ganhe novos leitores e pesquisadores."

Leia o poema "Não os Queríamos Sagrados", presente no livro "Corpo da Terra" (1994):

"Não os queríamos sagrados nos ritos da sombra
Peregrinos do silêncio
como saber se lembrarão o vôo dos pássaros
a textura da rosa
os insondáveis caminhos?

A obsidiana revolve a terra
em busca do coração da argila
e seus dolorosos anéis
mais o selo de sangue puríssimo

Não os queríamos no Além
os anjos pairando sobre as luminosas cabeças
as mãos em cruz
sentados à direita
do oráculo
mortos"


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