Artes cênicas

Livro de Magela Lima aborda identidade, pluralidade e contradições do teatro nordestino

'Os Nordestes e o Teatro Brasileiro' é fruto da pesquisa de doutorado do jornalista

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 26/06/2020 às 15:36 | Atualizado em 26/06/2020 às 16:23
ACERVO LEDA ALVES/DIVULGAÇÃO
ENCENAÇÃO Teatro Popular do Nordeste (TPN) incorporou símbolos locais às suas montagens - FOTO: ACERVO LEDA ALVES/DIVULGAÇÃO

Os Nordestes e o Teatro Brasileiro, livro recém-lançado de Magela Lima, fruto de sua tese de doutorado, traz já no título uma provocação que baseia sua investigação. Ao ressaltar a pluralidade da região e de sua produção artística, em contraste à visão hegemônica e aos bloqueios estabelecidos pelo centro do poder do País, especialmente o Sudeste, o jornalista e pesquisador analisa as tensões políticas e poéticas que ajudaram a construir o que de entende como teatro nordestino.

O Nordeste, enquanto região delimitada geográfica, política e culturalmente, só começa a existir na segunda década do século 20. Entender essa construção no imaginário coletivo do país é necessário para perceber a importância do estabelecimento de referências que unissem nove estados e lhes conferissem uma identidade, ainda mais quando o próprio teatro brasileiro começava a tentar se estabelecer, buscando romper com o modelo europeu. Como ressalta Magela no livro, "sem poesia não haveria geografia" e, assim, o Nordeste é "um emaranhado de discursos e imagens articulados por diferentes artes, diferentes artistas e diferentes tempos".

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Nesse sentido, o teatro se mostra um terreno fértil para a germinação de ideias que articulassem os anseios de artistas ávidos por encontrar formas de estar em cena que refletissem sua cultura. O pesquisador aponta o ano de 1946 como seminal na construção da ideia do teatro nordestino, com a retomada do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), capitaneada por Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna. Era a busca por um jeito próprio de estar em cena, "a partir da apropriação das especificidades culturais de cada região e sua crença no teatro como um bem inalienável do povo", aprofundada por Hermilo no Teatro Popular do Nordeste (TPN).

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RUMO Retomada do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), por Hermilo Borba Filho (foto) e Ariano Suassuna, foi decisiva para o estabelecimento de uma identidade - DIVULGAÇÃO

"Hermilo é uma figura fundamental porque ele propões, organiza e articula essas ideias. Ele operacionaliza esse teatro do Nordeste em cena e fora dela. Era um homem que falava várias línguas, traduzia muitos textos e interagia nacionalmente com vários críticas", explica. "Ariano surge como uma resposta para essas ideias, a concretização, no texto, dessas propostas."

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PESQUISADOR Trabalho de Magela Lima radiografa DNA do teatro nordestino - MATHEUS ABRAHÃO/DIVULGAÇÃO

O pesquisador aponta que Hermilo Borba Filho "inaugura uma compreensão de um teatro que tanto possa abordar o Nordeste como possa fazer desse mesmo Nordeste seu principal recurso cênico. Assim é que temas como o cangaço e o messianismo vão se alinhar a manifestações como o bumba-meu-boi e o pastoril, dentre tantas outras. O Nordeste não é um tema apenas, é uma forma de fazer teatro".

Reconhecimento nacional

Magela Lima identifica como outro momento-chave da consolidação de uma ideia de Teatro do Nordeste a aclamação da montagem do Teatro Adolescente do Recife de O Auto da Compadecida, em 1957, no Festival de Amadores Nacionais. Com direção de Clênio Wanderley, proveniente do TEP, a peça havia estreado no ano anterior no Teatro Santa Isabel, com recepção fria dos pernambucanos.

"A montagem de 1956 do Auto da Compadecida tem essa força de exemplificar para o público local e nacional as diretrizes do que vários artistas daquela geração buscavam: um teatro original, com texto de dramaturgos locais, explorando um tipo de encenação que dialoga com o corpo das manifestações populares", afirma. "E é preciso também destacar a importância de Clênio para o teatro do Nordeste como um todo: ele viajou muito, colaborou com grupos de vários estados e ganha uma projeção enorme."

Outro artista pernambucano apontado pelo pesquisador como essencial para a disseminação do Teatro do Nordeste no Sudeste foi Luiz Mendonça, que passa a residir no Rio de Janeiro para fugir da perseguição da ditadura militar.

"Mendonça leva para Nova Jerusalém muita gente que está fazendo teatro no Recife, cria um diálogo da capital com o interior, com Caruaru; participava ativamente do Movimento de Cultura Popular. Era um homem de teatro que habilitou o teatro do Nordeste no Sudeste, trabalhando com uma frequência absurda e legitimando muitos dramaturgos, atores e músicos da região", enfatiza.

Quanto à nacionalização do teatro do Nordeste, o livro aponta como ela sempre esteve mediada pela negociação de um cumprimento das expectativas desses símbolos previamente estabelecedos do que, de fato, seria a produção da região. A pesquisa ressalta ainda que por estar longe fisicamente do centro cultural do país, a cena nordestina necessitou, desde O Auto da Compadecida, dos festivais e mostras para furar esses bloqueios geográficos e políticos.

Outro ponto de destaque da publicação é entender que ainda que haja o recorte e o entendimento de um Teatro do Nordeste, dentro  da região existem várias formas pensar essa produção cênica, várias poéticas e também diferentes realidades. Um Nordeste cada vez mais urbano e tecnológico se contrasta e também mantém semelhanças com aquele do imaginário coletivo, interiorano, sertanejo, com símbolos que atravessaram gerações. Tradição e vanguarda estão em constante diálogo, como mostram produções de grupos como Magiluth e Angu (PE); Clowns de Shakespeare (RN); Bagaceira (CE), entre outros.

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