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'Entendeu ou Precisa Desenhar?' é boa dramédia sobre as dores do dia a dia

Série franco-canadense disponível na Netflix entrega a três protagonistas a missão de traduzir dissabores que mudam vidas e constroem amizades

Nathália Pereira
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Nathália Pereira
Publicado em 01/07/2020 às 16:37 | Atualizado em 30/11/2020 às 21:54
NETFLIX/DIVULGAÇÃO
Na trama, Fabiola, Caro e Ada se desdobram individualmente para dar conta dos problemas. Enquanto isso, a amizade entre elas se fortalece - FOTO: NETFLIX/DIVULGAÇÃO

Muito se fala nos debates contemporâneos sobre a necessidade de humanizar o que expomos ao mundo. Isso porque as redes sociais, por exemplo, passam por uma era de efervescência, transmutando-se cada vez mais de plataformas para troca de amenidades cotidianas a um tipo de negócio potencialmente rentável, porém rodeado de efemeridades e de espetacularização da realidade.

Talvez por esse motivo o nicho de produções audiovisuais que tratam mais da vida como ela é venha ganhando maiores adeptos, apesar ainda da resistência do entretenimento de massa em sair da caixinha de projeção de um mundo cor de rosa inexistente. Um destes pontos fora da curva é M'entends-tu?, série franco-canadense com direção de Miryam Bouchard, produzida em 2018 para o canal Télé-Québec e cuja primeira temporada está disponível no catálogo da Netflix no Brasil desde o início de junho.

Por aqui batizada de Entendeu ou Precisa Desenhar? (na versão em inglês, Can Your Hear Me? ou “Você Pode Me Ouvir?”, em tradução livre), a série, uma espécie de dramédia, acompanha a vida de três melhores amigas moradoras de um bairro pobre e periférico e que têm nesta relação fraternal o pilar que as sustenta dia a dia apesar das muitas dificuldades que enfrentam: pobreza, famílias disfuncionais, racismo, descontrole no consumo de drogas e álcool, violências físicas e psicológicas, carências afetivas de muitos tipos.

A trama é uma criação de Florence Longpré, que vive Ada, a mais explicitamente desajustada entre as protagonistas. É a partir de uma das sessões de terapia de Ada – impostas judicialmente por causa de surtos de raiva desembocados em agressões físicas públicas aos outros – que a narrativa é apresentada. Desempregada, Ada faz de quase tudo para conseguir uns trocados, o que inclui alguns pequenos delitos e a troca de contatos sexuais com homens de caráteres duvidosos e que repetidamente tiram proveito de sua vulnerabilidade.

Ada vive com a mãe - com quem tem uma relação cheia de conflitos e questões mal esclarecidas - em um apartamento alugado, sujo e caindo aos pedaços. Não por menos é lá onde a personagem passa o menor período de tempo ao longo dos dez episódios com média de 20 minutos cada.

Ao passo em que Ada conversa com a terapeuta, Carolanne (Ève Landry) espera a amiga do lado de fora no carro sujo e enferrujado que pegou emprestado da prima, traficante e viciada em videogames, com quem mora. Calada, arredia e sempre imersa nos livros, Caro carrega um dos traumas mais pesados entre elas e é pelos fantasmas trazidos por ele que seu comportamento será guiado até uns dos últimos episódios, quando é revelada a violência brutal de que foi vítima e a partir do qual as vidas das três se entrelaçam por completo, caminhando para um destino aparentemente irremediável.

A última a entrar em cena é Mélissa Bédard, como Fabiola, gerente de uma lanchonete onde as amigas aparecem vez ou outra para filar um lanche de graça. Única com emprego fixo, Fabi é também a única negra e gorda entre as protagonistas, características que a fazem alvo de discriminação e preterimento, tornando mais desafiadora a rotina atormentada por uma avó doente, uma irmã negligente, um namorado a quem dedica afeto não correspondido e uma sobrinha pequena que tem somente a ela como cuidadora.

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Enquanto Ada, Caro e Fabíola se desdobram individualmente para dar conta dos problemas que parecem se multiplicar a cada episódio, a amizade das três se fortalece, e o laço de confiança e dependência afetiva entre elas se torna mais nítido e justificado.

A premissa dramática dos temas tratados, no entanto, não faz da trama tão pesada quanto poderia, e grande parte disso se deve ao carisma e à química entre as atrizes – as cômicas cenas em que elas cantam na rua por umas moedas, ou nas quais se metem em encrencas quando passam do limite na bebida, rendem boas risadas do mesmo modo em que os trechos onde esquecem os desentendimentos entre si para tomar as dores umas das outras, ou para desopilar dos problemas por uns instantes de diversão, são capazes de emocionar e despertar empatia.

Com quase – para não dizer nenhum - investimento da Netflix em divulgar a nova aquisição, Entendeu ou Precisa Desenhar? é uma das descobertas escondidas entre os diversos lançamentos do serviço para a qual vale a pena dedicar algumas horas. O enredo não escancara ao telespectador grandes reflexões sobre as mazelas humanas apresentadas, tampouco se aprofunda na complexidade dos assuntos referidos, mas cumpre a função de plantar a semente da observação do cotidiano com mais leveza, apesar dos percalços, e da percepção de como esse alívio tende a nascer do afeto genuíno e generoso – que pode servir como impulso na busca por melhoria.

A série tem uma segunda temporada já finalizada e disponível no serviço da Netflix para a França e o Canadá. São mais outros dez episódios, desta vez dirigidos por Charles-Olivier Michaud e com participação da plataforma na produção, que prometem destrinchar algumas das lacunas abertas na primeira leva de acontecimentos, deixando também a possibilidade de se poder conhecer mais camadas das personalidades de Ada, Caro e Fabiola. A estreia em território brasileiro está prevista para dezembro deste ano.

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