Em conversa com a repórter Valentine Herold, o escritor falou sobre projetos e o atual contexto do mercado literário no Brasil. Confira a entrevista na íntegra:
JORNAL DO COMMERCIO - O Freixo Festival de Literatura, anunciou recentemente a lista dos seis autores lusófonos agraciados com o Prêmio Literário Guerra Junqueiro e você é o único representante do Brasil. O que significa, hoje, celebrar a literatura de língua portuguesa entendendo suas diferenças, nuances e heranças culturais?
SIDNEY ROCHA - Esta é uma pergunta complexa, e penso que os organizadores do Prêmio saberiam respondê-la com riqueza de detalhes, pois acham válida tal celebração, tanto que instituíram o Prêmio. E, nessa edição, o fazem junto com minha cidade, Juazeiro do Norte, através da Secretaria de Cultura, e isso para mim, tem um valor especialíssimo.
Numa visão mais pessoal e a voo de pássaro desse tema talvez coubesse ao invés de uma resposta, outras perguntas: quantas e quais são as celebrações do idioma? Por que tão poucas? Mas para que uma pergunta tão rica não tenha uma resposta tão pobre, vamos à questão do significado. Celebrar a literatura de língua portuguesa num mundo dominado pela cultura anglo-saxã é, antes de tudo, um ato de resistência, e no caso do Prêmio em si, é um instrumento – há outros – de que a língua é, como dizia Fernando Pessoa, acima dos nacionalismos, uma pátria em si mesma.
JC - Como avalia o acesso e a valorização da literatura lusófona no Brasil?
SIDNEY ROCHA - Se por literatura lusófona entende-se a valorização de escritores portugueses e africanos de fala materna portuguesa no Brasil, parece ir muito bem. Basta olhar os casos de Valter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares, Ondjaki, José Eduardo Agualusa, Miguel Sousa Tavares e Mia Couto, para ficar apenas nestes. Tão presentes estão no Brasil que, não fosse o sotaque, muitos poderiam confundi-los com brasileiros. Precisamos avançar mais, contudo.
As literaturas de Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé, para ficar nessas, precisam ser mais lidas entre nós que a inglesa, americana, a francesa, se é que se lê tanta literatura no Brasil. Leiam Paulina Chiziane, Ana Paula Tavares, Odete Semedo, a impressionante literatura de Olinda Beja, de Santo Tomé, vejam Raul Calane, lá em Moçambique, ou o caboverdiano Jorge Carlos Fonseca. Leiam. Esse prêmio ou prémio evoca essa urgência já velha. Note: em alguns desses países africanos, a literatura é uma expressão, além de artística, política por excelência, Essa literatura, como é o caso de Angola, surge junto ao povo, para formar uma nação independente, acontecimento relativamente recente. Ou seja, a literatura ali está ligada à luta e à liberdade. Então para não ficar só nas áfricas, há o caso da literatura lusófona dos brasis, essa também pouco conhecida ou valorizada ou "acessada".
Reina certa lusofobia no Brasil. Algo de preconceituoso nessa compreensão, mas não vou colocar o país no divã a essa hora, 90 mil mortos pelo vírus e o descaso. Nesse momento, um prêmio Guerra Junqueiro tem tudo a ver esses questionamentos sobre o preconceito, de nacionalidades questionáveis, presente naquele Finis patrie. Mas enfim: poder representar o Brasil nesse prêmio se torna, portanto, poder valorizar não minha trajetória, mas a trajetória de companheiras e companheiros, leitores e leitoras dessa língua brasileira, portuguesa, africana.
JC - Dentro de seus projetos literários, além dos livros, podemos destacar também seu curso de Escrita Criativa e o trabalho com escolas. Qual a importância de manter esse elo com o campo da educação?
SIDNEY ROCHA - O elo com o campo da educação é de enorme importância, não tanto porque um curso de escrita criativa pode contribuir para aumentar o número de escritores, mas o de leitores. Não é o trabalho editorial a chave para melhorar a situação da literatura, e sim a educação, um direito universal, como a leitura literária. E será a educação, e sairão da escola pública os primeiros sinais de que não perdemos tudo. Por isso é importante auxiliar nisso.
Enfrentar o negacionismo ali, de imediato. Ensinar e aprender, se isso não for a mesma coisa desde a origem. Por isso mantenho o trabalho da educação junto à literatura. E convoco não escritores e escritoras, mas todas as profissões para nos unirmos em torno da escola pública e da educação.
JC - Na última semana estreou um curta seu para a série Plano Piloto, da plataforma O Ovo. Nele você aborda questões relativas ao papel do artista e como ele se relaciona com sua obra. É necessário que o artista questione sempre seu próprio fazer e como ele está sendo recebido pelo público?
SIDNEY ROCHA - Sim. Estranho que escritores e escritoras nesse momento estejam mais interessados no efeito que na linguagem. No tema que na literatura. Eu trato somente de exercitar essas linguagens, o único reino que cabe ao escritor.
JC - Inclusive em 2015 você já havia trabalhado com o formato audiovisual a partir da linguagem literária no book trailer de Fernanflor. Tem vontade de continuar explorando outras linguagens artísticas, partindo da literatura?
SIDNEY ROCHA - Claro, minha experiência com outras linguagens é bem antiga. Não falo das adaptações de textos meus, para o cinema e TV, como ocorrem, e ali em "Fernanflor" há a direção de Anny Stone, assim ficou fácil. Mas falo de algo mais autoral, porque há muito a literatura não é só a literatura. No meu caso, que não sou preso à língua, também não tenho língua-presa às linguagens. Experimento tudo, não recreativo, mas criativo. Além disso, as "outras linguagens artísticas" fazem o mesmo com a literatura, desde sempre.
JC - No início deste ano você assumiu a presidência do Conselho Editorial da Cepe. Como avalia esses seis primeiros meses na função?
SIDNEY ROCHA - É uma honra e uma responsabilidade presidir o conselho da editora que é hoje a mais atuante, em quantidade e qualidade, da região. Estes seis primeiros meses têm sido muito positivos.
JC - E em termos de projetos futuros, tem algum livro para lançar ainda este ano, Sidney?
SIDNEY ROCHA - Sim. Estamos vendo com os organizadores a ida a Cabo Verde. Lá lançarei um livro. Em Juazeiro, comemorando o prêmio com uma das anfitriãs do Prêmio, a secretaria de cultura, republicaremos um livro para as escolas. Sai um livro de contos traduzido para o inglês e um Fernanflor sai traduzido para o espanhol, na Colômbia. Há uma novela gráfica na mão de Greg Vieira, mas não encontramos editora, ainda. Porém, neste ano sai o último volume da trilogia. Isso encerra doze anos de trabalho. Estou ansioso por isso.
JC - O mercado do livro no Brasil, assim como tantos, precisou para ou funcionar mais lentamente nos últimos meses devido ao avanço da pandemia do Coronavírus. Surgiram então alguns editais de emergências para auxiliar autores e editoras além de, mais recentemente, a sanção da Lei Aldir Blanc por parte do Governo Federal. Diante deste contexto, quais políticas públicas você acredita serem necessárias?
SIDNEY ROCHA - Como eu disse, antes, não é o trabalho editorial a chave para melhorar a situação da literatura. São universos que somente o leigo vê como o mesmo. A questão da leitura é emergente e urgente há muito tempo. Nunca foi fácil, digo para os mais jovens. Hoje, vemos os editais emergenciais e as leis, todas válidas, mas é preciso construir algo mais articulado em torno do livro, da leitura, das bibliotecas. E isso é responsabilidade do estado, construir com a sociedade essas ferramentas. Primeiro é preciso fazer perguntas essenciais.
Mercado editorial, isso de fato existe para médias e pequenas editoras no Brasil? Aliás, na América do Sul, agora invadida pelos grandes grifes? Assim como não acredito que possamos fazer um cinema brasileiro completo enquanto não dominarmos a tecnologia, as máquinas que fazem a machine do cinema, não haverá chance alguma para a literatura latino-americana enquanto a máquina editorial estiver nas mãos dos poderosos complexos editoriais estrangeiros.
E pelo tanto que avançaram, vamos precisar do dobro de tempo para recuperarmos terreno, isso se as políticas públicas caminharem na direção que precisamos. Não vejo solução a curto prazo. Mas não me nego lutar o tempo todo por isso que, sem nossa luta, isso será bem pior.
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