CINEMA PERNAMBUCANO

Curta pernambucano 'Inabitável' é selecionado para Festival de Gramado

Dirigido por Matheus Farias e Enock Carvalho, o curta-metragem 'Inabitável' relata a busca de uma mãe por sua filha, uma mulher trans desaparecida; confira entrevista com diretores

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 11/08/2020 às 16:16 | Atualizado em 11/08/2020 às 16:16
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'INABITÁVEL' É SELECIONADO PARA O FESTIVAL DE GRAMADO - FOTO: DIVULGAÇÃO

A 48ª edição do Festival de Cinema de Gramado divulgou a lista dos curtas-metragens escolhidos para sua competição produções brasileiras. Pernambuco vem representado por Inabitável, de Enock Carvalho e Matheus Farias, dando seguimento ao olhar cinematográfico da dupla que faz dialogar dramas sociais com um cinema de gênero, pautado por contornos misteriosos e fantasiosos. Juntos, eles já dirigiram os curtas Quarto para Alugar e Caranguejo-Rei.

Esse último ainda está circulação, sendo premiado recentemente no Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (Fantaspoa) e selecionado para o festival Ecofalante. Já Inabitável, além da participação em Gramado, também está selecionado no Kinoforum, onde faz sua estreia no final deste mês. Se a narrativa de Caranguejo-Rei passa por uma dimensão macro, até um pouco menos subjetiva em relação aos seus personagens para poder falar de uma cidade, agora, eles se voltam para um universo mais intimista, fechado em um seio familiar, mas carregando as mesmas ferramentas estilísticas de ambiência e tensão que dominam tão bem.

Acompanhamos a busca de Marilene (vivida pela soteropolitana Luciana Souza) por sua filha Roberta, uma mulher trans que não volta pra casa após uma noite fora. Acompanhada por Juliana (Sophia William), amiga de Roberta, Marilene percorre a cidade carregando em si o temor pelo pior e a esperança de um alívio. Localizada cronologicamente pouco antes da pandemia, a narrativa se desdobra entre as angústias dessa procura, visto que no país recordista de assassinato de pessoas trans, o sumiço de sua filha nunca será só um sumiço, mas que também é acompanhada pelo surgimento de um misterioso objeto.

A dupla relata que o medo e a incerteza é uma sensação que pauta a produção desde sua gestação inicial, utilizando as ferramentas do cinema de gênero pelo qual são apaixonados para refletir isso na tela. "A gente começa a pensar nele em 2017 e já sentíamos um medo enquanto trabalhadores da cultura, LGBTs e jovens. Em seguida vem um Bolsonaro no poder e esses medos dobram de tamanho. A gente tenta dar conta da identificação desse medo, de não delinear exatamente quais são os problemas que essa personagem está passando, mas ao mesmo tempo, talvez quem assista identifique em si mesmo que medos são e essas situações que rodeiam ela", explica Matheus.

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LUCIANA SOUZA E SOPHIA WILLIAM EM 'INABITÁVEL' - DIVULGAÇÃO
 

Dentro desse escopo angustiante, Enock e Matheus vêem as citadas ferramentas do cinema de gênero como uma chave que possibilita fazer com que a história vá além dela mesma, trazendo uma capacidade de falar só, mesmo estando presente de forma sutil. "É como se a realidade não fosse capaz de dar conta da história e outras possibilidades de mundo e imaginação precisassem ser possíveis para o filme ser uma resposta para o mundo que a gente vive e os anos que virão", diz Matheus.

A trama vai desenvolvendo sua tensão não pela representação de uma violência, mas da grande probabilidade de uma violência ter sido perpetrada "Ele tem essa particularidade de ir descendo um espiral, mas nunca chega de fato um cenário violento, de grande drama. A gente quis tratar com leveza os pontos mais delicados dessa história. Quisemos segurar um pouco, porque achamos que a realidade do Brasil é muito violenta. Não é um filme de violência, mesmo sendo sobre um Brasil já não tão favorável às nossas vidas Estamos mais interessados nas camadas de quem são essas personagens e o que elas estão buscando do que chocar pela violência", elabora Enock.

E dentro dessa encenação de angústia, um de seus principais canais é o trabalho de Luciana Souza como Marilene, que parece carregar um desespero profundo dentro de si ao mesmo tempo em que precisa contê-lo racionalmente para dar seguimento em sua busca. Souza vem do Bando de Teatro do Olodum e conta com trabalhos como Bacurau, Ó Paí, Ó e Flores Raras. “Éramos admiradores do trabalho de Luciana, mas achávamos que seria difícil trazê-la de Salvador. Conseguimos contornar as dificuldades tanto por um empenho dela como de nossa equipe e ela se encaixou perfeitamente na Marilene que tínhamos desenhado. Ela entendeu o que significava aquela busca e nos deixou muito tranquilo e felizes”, relembra Enock.

Já Sophia William veio a partir de um mapeamento de atrizes trans no estado e ao ver um tocante espetáculo dela em cartaz, decidiram que era ela quem viveria Juliana. "Sophia também se encaixou perfeitamente, mas durante os testes, ficamos muito felizes em conhecer tantas atrizes trans de talento se interessando, é algo que parece não ser do conhecimento de muita gente que faz cinema em Pernambuco", afirma Enock.

Apesar dos apesares, com o filme não podendo ganhar a potência das salas de cinema neste primeiro momento, os diretores acreditam que o formato remoto dos festivais que agora participam acaba por dar ares mais democráticos no acesso ao cinema e um maior alcance, indo além dos públicos de festivais e das salas de cinema. "Estávamos desenvolvendo nosso longa, mas decidimos dar uma pausa com o começo da pandemia e focar na finalização de Inabitável. O trabalho de cor e som foi feito todo remotamente, entendemos que é uma situação atípica e que esse filme precisava nascer agora. Queremos que ele seja visto por uma grande quantidade de pessoas e que cumpra seu propósito de chegar em quem precisa chegar", conclui a dupla.

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