Etnogastronomia

Livro 'Nordeste: Identidade Comestível' traça panorama complexo da cultura através do paladar

Obra do jornalista e antropólogo Bruno Albertim é resultado de parceria entre Jornal do Commercio e Fundaj

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 18/08/2020 às 18:40
EMILIANO DANTAS/DIVULGAÇÃO
LITORAL Foram dois anos e mais de 11.000 km percorridos garimpando alimentos - FOTO: EMILIANO DANTAS/DIVULGAÇÃO
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Entender como a comida participa do senso de identidade de um povo, contribui para noções de pertencimento e dá fundamento ao cotidiano é a base de Nordeste: Identidade Comestível, livro que é lançado nesta quarta-feira (19), às 10h, pela Editora Massangana, em evento transmitido no canal da Fundação Joaquim Nabuco no Youtube.

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VOLUMES Saberes da culinária nordestina estão impressos no livro - DIVULGAÇÃO

Fruto de uma parceria entre o Jornal do Commercio e o Museu do Homem do Nordeste, da Fundaj, a obra expande a série de reportagens assinada por Bruno Albertim, vencedora do Prêmio Esso de Jornalismo em 2013, a partir da união entre jornalismo e antropologia. 

Resultado de cerca de dois anos de viagens e mais de 11 mil quilômetros percorridos, o livro parte da ideia de que o Nordeste, na verdade, são muitos. A pluralidade dos nove estados que compõem a região, as especificidades que marcam as diferentes culturas neles existentes, do Litoral ao Sertão, são ressaltadas pela pesquisa em oposição à visão uniformizante sobre ela.

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LITORAL Foram dois anos e mais de 11.000 km percorridos garimpando alimentos - EMILIANO DANTAS/DIVULGAÇÃO

O projeto resgata uma tradição que remonta aos trabalhos de Gilberto Freyre, Câmara Cascudo e outros estudiosos, que utilizaram a alimentação como um pilar no entendimento da sociedade brasileira, dialogando com novos conceitos e com as especificidades do século 21.

"Quando propusemos esse projeto, percebemos que a literatura antropológica sobre a alimentação no Nordeste e no Brasil estava um tanto descompassada com o contemporâneo e recebia pouca atenção e investimento. Desde o início, sabíamos da impossibilidade de cobrir a região inteiramente, então demos um recorte em alguns locais mais simbólicos. Localizei personagens, homens e mulheres que são referências em suas comunidades no tocante a esses fazeres culinários, e busquei compreender como eles reproduzem esses saberes e afetam seu entorno", explica Bruno.

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TRADIÇÕES A partir de biografias exemplares, projeto busca explicitar tradições de diferentes comunidades - EMILIANO DANTAS/DIVULGAÇÃO

Com receitas que vão de paçoca, baião de dois, bolo Souza Leão e moquequinha de aratu na palha de ouricuri à importância do dendê na culinária baiana, do queijo coalho e do milho em Pernambuco, Nordestes: Identidade Comestível é composto por dois volumes e quase 500 páginas, fartamente ilustrados com imagens do fotógrafo Emiliano Dantas. A pesquisa teve coordenação de Ciema Mello e ajuda a montar um complexo mosaico da tradição e das mudanças das culturas através da comida. 

O texto de Albertim é norteado pelo rigor jornalístico e científico, sem cair em hermetismos. A escrita é rica em detalhes, informativa, humanizada e sugestiva, construindo uma cartografia cultural e sentimental através de ingredientes, paisagens e histórias de vida. É, portanto, um trabalho sobre a alimentação, como se produz a comida, quem a faz e onde é feita.

Essas marcas estão impressas em todo o projeto, preocupando-se com a pluralidade de vozes, com um olhar que foge do proselitismo. Todas as descrições foram colhidas em campo, o que garante um relato pulsante, colorido e complexo. O relato entende memória não como um elemento estanque no passado, mas em diálogo permanente com o agora.

RIQUEZA

"O Nordeste oferece muito material para a pesquisa porque tem uma gastronomia muito rica, cheia de simbolismo e história. Por sua forte cultura popular, a região guarda uma relação muito estreita com algumas comidas, algumas delas especialmente praticadas para acionar o senso coletivo de prazer, celebração e religiosidade, por exemplo", indica.

Segundo o autor, sua intenção foi desenvolver uma linguagem palatável, com ritmo de caderno de viagem, que diluísse conceitos antropológicos associados às vozes dos entrevistados, em sua maioria vivos.

O jornalista e pesquisador acredita que a publicação vem a somar na crescente valorização das pesquisas etnográficas com foco na gastronomia.

Bruno percebe no sucesso de produtos como a série documental Street Food, da Netflix, uma expansão do alcance desse olhar humanizado sobre a comida e afirma querer dar continuidade às suas investigações, tanto com novas incursões por áreas que não visitou quanto a partir de registros audiovisuais dos personagens já retratados no livro.

Laurindo Ferreira, diretor de redação do Jornal do Commercio, reforça ainda o valor de lançar um olhar cuidadoso sobre o "comer nordestino", suas histórias e o que elas abarcam, ajudando a compreender melhor seu povo. Ele celebra, ainda, mais uma parceria da empresa de comunicação com a Fundação Joaquim Nabuco e crê que a obra nasce como uma referência na área, a nível regional e nacional.

"A gente propiciou um marco na história do Esso, que foi trazer para o Nordeste um prêmio cujo enfoque sai da denúncia política e social, atraindo para uma discussão antropológica, do ponto de vista da gastronomia nordestina. Ele nasce como um projeto já dividido entre o jornalismo e a ciência", pontua. "O lançamento desse livro para nós é de uma importância muito grande porque une duas marcas institucionalmente fortes, que se juntam naquilo que têm de melhor: produzir conteúdo jornalístico e saber, ciência."

PROGRAMAÇÃO

Para apresentar o livro ao público, Laurindo Ferreira e Ciema Mello participam de uma transmissão no Youtube, a partir das 10h. Na ocasião, serão exibidos também depoimentos de entrevistados para o livro, como Mana Asfora, conhecida pela produção do bolo de noiva pernambucano; Marieta Santos (SE), notória por suas queijadinhas; e Dona Gertrudes (RN), produtora de queijo. 

Às 10h30, é realizada a mesa virtual Etnogastronomia do Nordeste: uma ideia realizada em livro, com Ciema Mello, Bruno Albertim, Emiliano Dantas, a escritora e pesquisadora Maria Lectícia Cavalcanti; a coordenadora do Museu do Homem do Nordeste (Muhne), Silvana Araújo, e a coordenadora de projetos e processos da Fundaj, Elizabeth Mattos.

 

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