Desde que o Ministério da Economia apresentou, no início de agosto, um projeto de reforma tributária que propõe, entre outras questões, a volta da taxação do livro, muito tem se debatido a respeito do mercado literário no Brasil. Mas, além dos números apresentados pelas livrarias e editoras, o que de fato sabemos sobre os hábitos de leitura dos brasileiros?
Em meio a um cenário de muitos achismos, ideias pré-concebidas e até descrença na pesquisa científica, o projeto Retratos da Leitura no Brasil é uma iniciativa de grande importância para entendermos o atual panorama. Os resultados de sua quinta edição, apresentados na noite desta segunda-feira (14) ao grande público, chegam em boa hora para fomentar a discussão com embasamento.
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Realizada de quatro em quatro anos desde 2007 pelo Instituto Pró-Livro, esta edição traz algumas novidades, além da parceria com o Itaú Cultural. O número de entrevistas subiu de 5 mil para 8 mil e todas foram aplicadas de forma presencial entre outubro de 2019 e janeiro de 2020, em 208 municípios, sendo 5.874 delas nas capitais brasileiras. Todas foram realizadas pelo Ibope e possuem uma margem de erro de 1 ponto percentual.
Ao olhar para os números é importante lembrar que eles então representam majoritariamente o comportamento dos moradores dos maiores centros urbanos, uma representação parcial do Brasil. Mas mesmo esses locais sendo os de maior acesso a grandes redes de livrarias, maior número de bibliotecas e acesso à internet mais popularizado, as conclusões não são das mais otimistas e nem representam muitos avanços para quem acredita no poder transformador da leitura.
Atualmente, o país conta com 52% de leitores (100,1 milhões de pessoas), o que representa uma diminuição de aproximadamente 4,6 milhões de leitores em relação à edição anterior da pesquisa, de 2015, quando o percentual de era de 56%. Uma perda considerável e alarmante.
"Fomos generosos em definir como leitor não apenas quem leu livros inteiros, mas qualquer pessoa quem tenha lido parcialmente uma obra nos últimos três meses. Se considerássemos leitores somente esta primeira categoria, os 52% cairiam para 31%. Estamos vivendo um momento em que a reflexão acerca do tema da leitura no Brasil precisa ser promovida de forma ampla. Os dados da pesquisa são transversais e envolvem questões como educação, acesso à cultura, incentivo etc...", destacou a coordenadora da Retratos da Leitura no Brasil desde sua primeira edição, Zoara Failla, durante coletiva de imprensa.
Alguns outros dados, entretanto, se mantêm igual à edição anterior da pesquisa. O brasileiro continua lendo, em média, cerca de dois títulos por ano e o livro mais lido permanece a Bíblia - seguida por A Cabana, O Pequeno Príncipe, A Turma da Mônica e A Culpa é Das Estrelas. Apesar da pouca presença de livros nacionais entre os considerados "mais marcantes" pelos brasileiros, dos 15 autores mais citados, apenas dois nomes são estrangeiros, J.K Rowling e Agatha Christie. Machado de Assis, Monteiro Lobato, Paulo Coelho e Jorge Amado são os mais lembrados.
Uma mistura de autoajuda, espiritualidade, literatura infantil, grandes clássicos e romance policial que, à primeira vista, pode parecer aleatória, mas representa bem a diversidade esperada de um país continental como o Brasil.
Uso de internet e interpretações
Uma das novidades desta edição foi dedicar um módulo específico das perguntas aos hábitos de leitura de literatura, o que permitiu a colheita de dados mais aprofundados sobre os fatores e influências no interesse por literatura. Os resultados são interessantes e reforçam o papel que as escolas e os meios de comunicação possuem na formação de jovens leitores, já que 52% dos entrevistados afirmaram terem cultivado o interesse pela literatura por causa de algum professor e 48% porque viram filmes ou séries baseados em livros.
Muitos outros fatores são levados em consideração no questionário da pesquisa e, quando cruzados e analisados com calma, se transformam em chaves interpretativas instigantes para pensar os desafios futuros de políticas públicas e outros investimentos no setor literário nacional. Mas a pergunta que talvez ecoe mais alto é a do porquê o número de leitores ter diminuído tanto nos últimos quatro anos.
Para tentar entender melhor esse fenômeno, tanto Zoara Failla quanto o diretor do Itaú Cultural, Eduardo Saron, apontam para os resultados do tópico O que gosta de fazer no tempo livre? O aumento nas respostas envolvendo o uso de internet (47% em 2015 e 66% em 2019), do tempo gasto nas redes sociais (35% antes e agora 44%), conversando no WhatsApp (43% há quatro anos e 62% em 2019) e assistindo filme em casa (44% se transformou em 51%) é elucidativo por si só.
"Fica claro que precisamos de ações conjuntas, envolver famílias, escolas, outras expressões culturais e valorizar as bibliotecas públicas e escolares, fazer essa energia fluir. Foram 12 anos quase que perdidos nessa luta pelo letramento. Não vejo saída que não envolva o coletivo", pontua Saron.
Os resultados da quinta edição de Retratos da Leitura no Brasil estão disponíveis na íntegra no site do IPL. E, para quem se interessar pelo tema, o Itaú Cultural promove a partir do próximo dia 22 quatro encontros virtuais e gratuitos com o intuito de debater os dados da pesquisa. Inscrições no site da instituição.
Confira os principais resultados:
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