King Kong en Asunción foi a última exibição da competição oficial do 48º Festival de Cinema de Gramado, realizado remotamente pela primeira vez em sua história. Na última quinta-feira, a jornada de um velho matador de aluguel prestes a encerrar sua carreira foi exibida e logo em seguida, na noite de sábado, recebeu o principal troféu do festival. Além do Kikito de Melhor Filme, o longa do pernambucano Camilo Cavalcante também premiou Andrade Júnior, figura que inspirou e conduziu o filme, como melhor intérprete. O ator faleceu no último ano, deixando uma despedida magistral em King Kong e merecidamente reconhecida pelo festival.
Uma exibição de encerramento e um prêmio póstumo são bastante representativos dos ares que o filme respira. Cavalcante mergulha em uma narrativa envolta em um clima de um mundo tardio. Matadores de aluguel já são figuras construídas em cima de vivências angustiadas, vividos por pessoas como Charles Bronson, Jean Reno e Marcos Nanini. Mas Andrade e Camilo entregam uma renovada e potente faceta dessa persona com o protagonista de King Kong.
Os horrores de sua trajetória são elevados e remoídos dentro de si com a chegada dos últimos anos de vida. A velhice sufoca e o joga em uma jornada para tentar, em seus últimos momentos, resgatar traços de humanidade e tentar abandonar, na medida do possível, sua bestialização. Uma luta para que seus últimos anos de vida não sejam uma total condenação.
A imensidão do mundo, filmado em planos bem abertos, parece carregar esse desconforto perante o viver, com a plasticidade de suas belezas parecendo não estar ali pelo encanto, mas pelo seu caráter de inescapabilidade, esse aprisionamento à céu aberto ao qual o matador se condenou. Seu caminhar é muitas vezes acompanhado por uma câmera que o segue pelas costas e a agitação dos espaços passa muitas vezes com indiferença aos seus olhos. Mas ainda pulsa ali uma esperança de uma reintegração à humanidade na forma mais plena possível para alguém com uma história como a sua.
É assim que o assassino interpretado por Andrade vai da Bolívia à capital paraguaia em busca de uma redenção pelos rincões da América do Sul. De barbas e cabelos longos e desgrenhados, ele segue vai em direção à um último trabalho e do encontro de uma filha abandonada, com os olhos cansados e uma incomunicabilidade que marca sua solidão tão bem cimentada pelos anos. Tudo acompanhado por uma voz que, em Guarani, língua de um povo massacrado, narra poeticamente, bem ao gosto de Camilo, seu mundo interno e seus desejos. King Kong en Asunción também ganhou o prêmio do júri e o de melhor trilha sonora.
"Estou muito surpreso. Eu acho que o cinema e arte não são corrida de cavalo, que tem o melhor ou o pior. Todos os filmes que foram apresentados têm o seu valor. Sem a arte, a gente não sobrevive ao peso da vida. Seguimos com a vontade de construir um país e uma América Latina mais igual, mais justa e mais afetuosa. A gente está vivendo um momento surreal, de violência e falta de tolerância do ser humano”, declarou Camilo Cavalcante ao saber da premiação. King Kong en Asunción também foi exibido no Florianópolis Audiovisual Mercosul e também participará do Los Angeles Brazilian Film Festival, realizado no próximo mês.
O outro representante pernambucano, o curta-metragem Inabitável, de Enock Carvalho e Matheus Farias, também saiu premiado de Gramado. O filme sobre uma mãe em busca de uma filha, uma mulher trans, desaparecida depois passar uma noite fora, conquistou o prêmio da crítica e o de melhor roteiro, garantindo também para a baiana Luciana Souza o troféu de melhor atriz.
O curta se ampara na construção climática da tensão e se articula efetivamente enquanto narrativa e comentário social, se utilizando ainda do cinema de gênero para alcançar uma grande potência entre esses dois. Outro pernambucano premiado foi o ator Thomás Aquino, que conquistou, escolhido como melhor ator coadjuvante na competição de curtas, por seu trabalho em Todos os Mortos. Entre outros destaques, o veterano Ruy Guerra foi escolhido o melhor diretor, aos 89 anos e a portuguesa Isabél Zuaa venceu como melhor atriz por Um Animal Amarelo.
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