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'The Boys In The Band' traça um complexo retrato da comunidade gay nos EUA antes de Stonewall

ESTREIA Produzido por Ryan Murphy, The Boys in the Band adapta sucesso dos palcos de 1968 e é protagonizado por elenco LGBTQIA

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 05/10/2020 às 2:00
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SINTONIA Atores brilham em filme guiado pelo texto afiado (e melancólico) de Mart Crowley - FOTO: SCOTT EVERETT WHITE/NETFLIX/DIVULGAÇÃO
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The Boys in the Band estreou no circuito off-Broadway (composto por teatros de menor porte) em 1968, quando já estava os Estados Unidos vivendo um clima de ebulição política e social encabeçados pelas minorias historicamente excluídas. Centrada nas dinâmicas de um grupo de amigos gays que se reúnem para comemorar o aniversário de um deles, a obra captura tensões e questionamentos da comunidade pré-Stonewall. Cinco décadas depois, vários desses pontos permanecem atuais e o texto de Mart Crowley, afiado, como mostra a adaptação cinematográfica produzida por Ryan Murphy e protagonizada por um elenco abertamente gay.

Apesar da temática incomum para a época (ou talvez justamente por isso), focada em um público até então marginalizado e retratado de forma estereotipada, The Boys in The Band foi um sucesso de público, permanecendo em cartaz por dois anos em Nova York. Em 1970, ano em que chegou ao Brasil com direção de Maurice Vaneau e tradução de Millôr Fernandes, com o título Os Rapazes da Banda, a obra também ganhou uma adaptação cinematográfica dirigida por William Friedkin (O Exorcista), considerada um marco no cinema queer estadunidense.

Em 2018, para comemorar os 50 anos da peça, o espetáculo ganhou uma nova versão, desta vez na Broadway, com direção de Joe Mantello (Hollywood), elenco estrelado e abertamente gay, um sinal, aliás, das mudanças sociais, já que, por décadas, a sexualidade dos atores era um tabu que poderia destruir carreiras. Participavam da montagem Jim Parsons (The Big Bang Theory), Zachary Quinto (Star Trek), Matt Bomer (White Collar), Andrew Rannells (Girls), Tuc Watkins (A Múmia), Robin de Jesús (Camp), Michael Benjamin Washington (Ratched), Brian Hutchison (The Sinner) e Charlie Carver (Teen Wolf).

Esta mesma equipe retorna para a adaptação cinematográfica, que chega à Netflix como parte do acordo milionário da gigante do streaming com Ryan Murphy, que assina a produção do longa. A clara sintonia dos atores, graças à experiência nos palcos, faz bem ao filme, que é alicerçado nas performances cuidadosas dos intérpretes. A natureza teatral da obra, atenciosa com o texto, é mantida no filme com diálogos ágeis e pungentes.

Praticamente toda a ação do filme se passa no apartamento de Michael (Parsons, no melhor papel da carreira), que prepara uma festa de aniversário para Harold (Quinto) e convida um pequeno grupo de amigos. Ele, porém, recebe uma ligação de um antigo colega de faculdade, Alan (Hutchinson), de quem ele ainda mantém oculta sua homossexualidade, que aparece de surpresa no espaço.

Essa chegada inesperada causa uma disrupção na até então pacífica reunião, trazendo à tona tensões há muito escondidas. Após um episódio de violência envolvendo Alan e Emory (de Jesús), Michael, cada vez mais alterado, propõe um jogo que leva as questões emocionais de cada um às últimas consequências. Os dramas individuais ganham espaço e são particularmente tocantes quando abordam a interseccionalidade, ao focar em Emory, um latino com trejeitos afeminados, e Bernard, um homem negro.

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REPRESENTATIVIDADE Ryan Murphy reuniu elenco estrelado para a nova adaptação, nos palcos e no cinema - NETFLIX/DIVULGAÇÃO

A direção de Mantello é inteligente ao não abrir mão do clima de tensão criado pela mistura de claustrofobia em um apartamento com as janelas fechadas por conta da chuva torrencial e a mistura de álcool que coloca para fora os demônios de cada um. Ao mesmo tempo, por manter a base do texto teatral, ele se vale das cenas iniciais para lançar pistas sobre o emocional de cada um dos personagens, que serão complementados pelo texto ao longo do filme.

Temas como envelhecimento, heteronormatividade compulsória e afetividade são tratados na obra de maneira complexa e tocante. Revisitado cinco décadas após sua primeira encenação, o texto pode parecer datado para alguns, inclusive por apresentar uma perspectiva melancólica das vivências homoafetivas limitadas pelos preconceitos sociais. Mas, as questões ali presentes continuam assustadoramente atuais, inclusive no Brasil, que em 2020 ainda é o país que mais mata LGBTs no mundo.

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DESTAQUES Jim Parsons (de The Big Bang Theory), que fez a peça na Broadway, entrega uma performance surpreendente, enquanto Matt Bomer (White Collar) faz ponta de luxo - SCOTT EVERETT WHITE/NETFLIX/DIVULGAÇÃO

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