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Museu Casal do Pontal muda de endereço e realiza última exposição

Problemas decorrentes da urbanização no entorno do local impossibilitavam o funcionamento e prejudicavam o acervo.

Daniel Ferreira
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Daniel Ferreira
Publicado em 06/10/2020 às 16:26 | Atualizado em 06/10/2020 às 16:27
Museu Casa do Pontal
Peça feita por Mestre Vitalino - FOTO: Museu Casa do Pontal

O bairro Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro, perderá um essencial instrumento cultural. Mas, quem seguir pela Avenida das Américas, conseguirá chegar, sem muitas dificuldades, à Barra da Tijuca, novo cenário responsável por abrigar o Museu Casa do Pontal. A mudança de endereço daquele que é referência em arte popular brasileira e possuidor do maior acervo do segmento no país, se dá por questões estruturais. Encerrando a relação com sua antiga casa, o Museu, entre os dias 3 de outubro e 6 de novembro, dará o nome de “Até logo, até já” à exposição já conhecida como “permanente”, com entrada gratuita e contribuição livre para quem quiser.


A mostra possibilitará ao visitante a oportunidade de conferir, pela última vez neste ano, as obras de centenas de artistas. Muito bem representado, Pernambuco terá as esculturas de Mestre Vitalino, Mestre Galdino e Luiz Antônio, da região do Agreste e conhecidos pelo artesanato, em exibição. Além deles, Noemisa Batista, Maria Assunção, e João Alves, do Vale do Jequitinhonha, Minas; Celestino, e Nino, de Juazeiro do Norte, Ceará e muitos outros integram o momento, que reunirá cerca de duas mil obras no espaço. As demais sete mil peças do acervo começam a seguir para a nova moradia ainda em outubro.
A curadora Angela Mascelani explica o processo de escolha dos trabalhos. Um dos requisitos foi a seleção de artistas abraçados pelo público e suas obras clássicas, que definitivamente não podem faltar. “Mestre Vitalino, nem Zé Caboclo, nem Luiz Antonio e Manuel Eudócio. Esses quatro amigos, quatro artistas do Alto do Moura, de Caruaru, Pernambuco, que souberam levar sua arte adiante, de maneira inclusiva e solidária. São grandes artistas que não retiveram seu conhecimento, que foram generosos e souberam criar pontes e caminhos para o surgimento de muitos outros”, comenta.


A exposição será dividida em oito temáticas, elaboradas pelo francês Jacques Van de Beuque. Conhecido por ser o primeiro a criar um museu para arte popular no Brasil - local que era declaradamente apaixonado, ele viu um meio para homenagear e trazer visibilidade para os artistas que encontrava por todo o país e que, na época, não eram respeitados nem valorizados. “Quando assumi a curadoria deste museu, trabalhei pela consolidação desse acervo como um patrimônio visual importante para o Brasil. Meu foco esteve posto justamente na valorização de sua dimensão artística e cultural”, conta Angela. Ela revela, ainda, o seu principal propósito enquanto profissional. “Acentuar as histórias de vida, desenvolver biografias e torná-los acessíveis ao público. De certa maneira, contribuir para que fossem entendidos como artistas, ampliando e valorizando a diversidade que eles traziam para o panorama das artes plásticas brasileiras.”


Assim como outros equipamentos culturais, o Museu Casa do Pontal aderiu à tecnologia para permanecer ativo durante os dias de isolamento social. Se reinventando, ele proporcionou lives, exposições virtuais e contações de histórias. Já o encontro final e presencial é definido por Mascelani como um ritual de passagem e celebração. “Estamos nos despedindo de um lugar amado, que propiciou tudo aquilo que um museu de arte necessita: segurança para o acervo e para as pessoas”, fala.


Figuras de renome também se manifestaram sobre a mudança. O cantor e compositor Gilberto Gil foi um. “Todos os que fazem esse trabalho, que participaram dessa história extraordinária, reunida com carinho especial por Jacques van de Beuque e seu filho Guy, produziram ao longo do tempo, camada por camada, essa obra que é um orgulho para o país. A Casa do Pontal é hoje uma realidade que pertence a todos nós e nós todos temos que cuidar dela”. Bem como a atriz Marieta Severo, que visitou o local pela primeira vez quando sequer existiam prédios ao redor. “Ali tem tudo: as profissões, as festas, o cotidiano, a história, está tudo ali, está retratado. Sempre me comoveu essa necessidade da beleza, da arte no cotidiano.”


Para circular nos ambientes, o uso de máscara será obrigatório, bem como a aferição de temperatura antes da entrada. Totens de álcool em gel estarão espalhados pelo circuito expositivo, que terá controle de pessoas. A área externa poderá ser visitada por núcleos familiares e grupos prioritários terão atendimento especial. Todos os protocolos foram pensados para assegurar e diminuir as chances de contaminação, inclusive entre os funcionários, que usarão kits preventivos.

 

CHUVAS QUASE ESTRAGAM TUDO


Os últimos 10 anos dos 46 de existência da Casa do Pontal foram marcados por problemas decorrentes da urbanização nos arredores. Com a elevação das ruas em quase um metro, o Museu acabou se tornando uma vítima das inundações decorrentes das chuvas. Além da dedução, um estudo realizado em 2014 pela COPPE/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia) recomendou a construção de um novo edifício em outro terreno e a consequente e inevitável mudança.


Como bem relata Lucas Van de Beuque, diretor-executivo da instituição, não foram uma ou duas vezes que as peças quase perderam-se na água. “Em alguns casos o nível nos jardins do Museu chegou a um metro, na altura da cintura. Na galeria da exposição permanente, a água subiu a 60 centímetros, na altura do joelho. Na última inundação, em abril de 2019, funcionários e ex-funcionários agiram rápido e conseguiram retirar 300 obras que estavam prestes a serem atingidas pela água”, afirma. Com isso, a Casa do Pontal não via outra alternativa senão fechar suas portas. No ano passado, o problema foi tanto, que o local permaneceu com as portas fechadas por quatro meses.


A mudança é vista por ele como uma salvação definitiva para o maior acervo de arte popular do Brasil. “Importante destacar que esse momento só está sendo possível graças ao apoio da sociedade civil e de empresas como Itaú, Vale e BNDES, que entenderam a importância de preservar este importante patrimônio brasileiro”, ressalta. O novo endereço, que contará com área verde e vista privilegiada para a Pedra da Gávea, estará aberto para visitações no segundo trimestre de 2021 e a inauguração contará com uma exposição com os destaques do acervo, considerado raro. O ambiente foi projetado pelos Arquitetos Associados, enquanto o paisagismo ficou por conta do escritório Burle Marx. “Será um lugar de encontros, arte, música, que vibrará a multiplicidade cultural brasileira”, fala Lucas.


São mais de nove mil obras que contam histórias de vida e trajetórias de artistas das mais diversas regiões do Brasil. Do samba carioca ao artesanato agrestino, todos em sintonia e colocados no mesmo lugar e grau de importância. Essa é a função do Museu Casa do Pontal, que construiu um belo legado. “Tê-lo em segurança, circulando, dialogando em diferentes cenários, também nos permite compartilhar o Brasil no qual acreditamos, os muitos brasis que existem no Brasil”, afirma Angela.

DIVULGAÇÃO/MUSEU CASA DO PONTAL
NINO Entalhe ostenta duas pequenas figuras zoomórficas - FOTO:DIVULGAÇÃO/MUSEU CASA DO PONTAL
Museu Casa do Pontal
Antonio de Oliveira _Bonde puxado por cavalos_Museu Casa do Pontal - FOTO:Museu Casa do Pontal
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Mestre Vitalino _Casal montado em cavalo vermelho_Museu Casa do Pontal - FOTO:Museu Casa do Pontal
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João Alves_Mulher torrando café_Museu Casa do Pontal - FOTO:Museu Casa do Pontal
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Celestino_Forró_Museu Casa do Pontal - FOTO:Museu Casa do Pontal

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