Literatura

Em 'Guardei no Armário', Samuel Gomes ressalta a importância da interseccionalidade na luta contra o preconceito

Escritor aborda no livro suas experiências enquanto homem negro, gay e criado na periferia de São Paulo

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 13/10/2020 às 8:38
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MILITÂNCIA Samuel utiliza plataformas como Instagram e YouTube para conscientizar a respeito de temas como sexualidade, gênero e raça - FOTO: DIVULGAÇÃO
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Em Guardei no Armário: Trajetórias, Vivências e a Luta por Respeito à Diversidade Racial, Social, Sexul e de Gênero, Samuel Gomes parte das suas experiências enquanto homem gay, negro e nascido na periferia para discutir problemáticas históricas e urgentes à sociedade brasileira. O livro, lançado pela Editora Paralela, selo da Companhia das Letras, chega em versão revisitada e ampliada, contando também com entrevistas com Jup do Bairro, Rodrigo França, Ana Claudino, entre outros.

A escrita teve um papel essencial na autoaceitação de Samuel. Ainda que, como conta no livro, tenha se entendido gay desde cedo, o escritor e criador de conteúdo demorou para se sentir confortável quanto à sua sexualidade. Além da heterossexualidade compulsória que pauta a sociedade brasileira, sua criação dentro da Igreja Congregação Cristã do Brasil impunha outras tantas pressões e preconceitos que lhe geravam um sofrimento intenso ao ponto de, no início da vida adulta, ele buscar um psiquiatra a procura de um remédio que "revertesse" sua homossexualidade.

"Era muito doloroso passar por isso em silêncio. Eu não tinha com quem me abrir. Então, comecei a escrever. Criei um blog onde relatava minhas questões e vários desses textos serviram de base para a primeira edição do meu livro. Foram dois anos e meio de escrita e dedicação, produzindo nos meus momentos de descanso, no transporte público, enquanto voltava do trabalho. A escrita foi minha fuga, foi o que me salvou", conta.

Samuel lembra que quando o livro foi lançado, não imaginava que a sua história reverberaria em tantas pessoas. Ele reforça que a obra não é "um manual de saída do armário" e se insere em um movimento crescente de obras que pluralizam as vozes nos campos da sexualidade, de gênero, raça e classe.

"Quando lancei a primeira versão do livro, eu não fazia ideia de muita coisa no que diz respeito à militância, especialmente as questões de interseccionalidade, que é uma palavra que as pessoas estão conseguindo colocar no vocabulário mais recentemente porque antes não era uma questão muito discutida. Neste novo livro, me coloco em um lugar de ativista e criador de conteúdo que se preocupa em expandir as perspectivas sobre as vivências LGBT, negras e periférias. Por isso resolvi também inserir as entrevistas, para deixar ainda mais plural", explica.

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Livro aborda de forma franca as experiências de Samuel Gomes - DIVULGAÇÃO

Essa perspectiva interssecional é o cerne do trabalho do criador de conteúdo, que atualmente também se destaca no Instagram e no YouTube, onde mantém um canal que tem o mesmo nome do livro. Para ele, criar esses espaços de troca de experiências, educação e pluralidade é essencial na luta contra o preconceito.

"Sempre fiz parte de ongs e movimentos sociais, como o Projeto Purpurina, da educadora Edith Modesto, que foi o primeiro lugar que eu me senti acolhido. Participava das reuniões que aconteciam mensalmente, onde tive acesso a vários tipos de livros escritos por pessoas LGBT que me ajudaram a perceber que eu não era o único. Essas experiências me fizeram criar o canal no YouTube e pautar entrevistas porque é um sintoma da nossa sociedade não conversar sobre essas questões, principalmente quando elas são traumáticas. Nos dois primeiro anos do canal, eu não aparecia por medo do racismo, por exemplo. Ocupar esses espaços e ganhar visibilidade é importantíssimo", enfatiza.

Na obra, ele fala em tom confessional e franco sobre várias questões, como seu primeiro amor, as amizades virtuais, as descobertas, a religiosidade, sua primeira vez, negritude, militância, entre outras. No livro, ele fez questão de colocar, também, o relato de seu pai, um homem socializado dentro de uma perspectiva evangélica, para mostrar a importância e necessidade de combater o preconceito e a desinformação, criando ambientes familiares saudáveis e acolhedores para os LGBT.

Samuel pontua ainda que relatos como o seu são uma contranarrativa para os discursos de ódio cada vez mais naturalizados na sociedade brasileira.

"Somos um país racista e o que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. É preciso que a gente coloque nossas vivências na literatura para registrar a luta que é sobreviver no Brasil. Tenho seis anos de relacionamento com meu marido e até hoje não ando de mãos dadas com ele na rua com medo da violência. Carrego meu armário comigo sempre, saí dele, mas o utilizo para guardar tudo que eu aprendi, ou para fazer com que outros não passem pelas mesmas situações", endossa.

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Livro aborda de forma franca as experiências de Samuel Gomes - FOTO:DIVULGAÇÃO

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