No poema Nostos, publicado no livro Meadowlands, em 1996, Louise Glück, a mais nova vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, escreveu que "a gente olha o mundo uma só vez, durante a infância. O resto é lembrança." Esses são os versos finais do poema, mas também uma temática recorrente em sua obra. Narrativas que tem como eixo central a relação dos personagens com as memórias dos tempos de criança não são exceções na literatura, muito pelo contrário.
Talvez seja também um pouco assim com nossa memória afetiva dos livros que marcaram nossa infância. Dificilmente esquecemos os autores e os protagonistas das histórias que nos acompanharam nos primeiros anos de vida. Quem nunca se imaginou sendo amigo d' O Menino Maluquinho, correndo pelo sítio do Picapau Amarelo, ou ainda passando uma temporada no planeta B612, com O Pequeno Príncipe?
É também difícil esquecer dos mundos mágicos criados por Ruth Rocha, Lygia Bojunga, Maurício de Souza, Ana Maria Machado e tantos outros autores brasileiros que marcaram gerações e continuam formando novos leitores.
Nesta segunda-feira (12) celebra-se o Dia da Criança e muito se fala acerca de presentar os pequenos com livros e incentivá-los a cultivar o gosto pela leitura. No mês passado foram divulgados os resultados da quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada a cada quatro anos pelo Instituto Pró-Livro, em parceria agora com o Itaú Cultural.
A notícia que mais chamou a atenção do público foi a da perda de 4,6 milhões de leitores em comparação com 2015/2016 e do aumento de tempo que os brasileiros passam em média com atividades digitais, tais como redes sociais e serviços de streaming. Mas há também esperança e ela vem das crianças. Elas estão lendo mais, segundo a Retratos da Leitura no Brasil, e 88% das crianças entrevistadas revelaram que gostam de ler.
A coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, aponta para a importância da família e da escola no despertar do gosto pela leitura. "Na faixa etária dos 5 aos 10 anos, que mais influencia, segundo as próprias crianças, são as mães. Então a casa onde a criança vai crescer ser uma casa de leitores, que presenteia com livros é muito importante e decisivo. Mas sabemos também que essa não é a realidade da maioria dos brasileiros, está mais restrita às classes A e B. Por isso que a escola, os professores e as bibliotecas cumprem um papel fundamental e precisamos de mais políticas públicas", explica.
"Devemos pensar o livro como uma semente que vai ser plantada na infância. Essas leituras que marcam a infância vão sempre fazer parte da nossa memória afetiva. Mas também devemos continuar esse incentivo na adolescência, que é fase em que esse gosto pela leitura cai. Perguntar sobre o que o jovem está lendo, ler junto, continuar presentando com livros."
Opinião semelhante à da escritora pernambucana Camilla Inojosa, autora dos títulos infantis Antônio com M (Bagaço), Lápis Mágico (IMEPH) e do recém-lançado livro duplo Flor Mágica e Eu, Passarinho, que também inaugura o selo A La Ursa, que ela coedita com Roberto Beltrão. "A leitura é um hábito e também um exemplo. Se quisermos ter um país em que o senso crítico é cultivado, precisamos de leitores. E uma maneira de formar leitor é tendo livro em casa, ao alcance das crianças, permitindo que elas manuseiam, transformando a leitura em rotina", pontua.
Mãe de duas crianças, foi justamente através de sua experiência materna que Camilla começou a não só escrever literatura para adultos quando histórias infantis. O novo livro representa uma nova fase em sua trajetória, a de poesia para crianças. "Nunca pensei em publicar poemas. Eles foram escritos em momentos diferentes, mas muito especiais", conta. "O Eu, Passarinho escrevi sentada num corredor de uma grande feira de livros, em 2019, antes da pandemia. Estava bombardeada com ilustrações incríveis e só conseguia pensar em como os livros podem nos salvar.
Já Flor Mágica surgiu a partir de uma história escrita por sua filha mais velha, de oito anos, em uma das oficinas de literatura infantil que Camilla ministra. "O texto fala de como a vida exige trocas e reciprocidade. Eu, volta e meia, tenho retornado a ele para entender e compreender algumas coisas. Que a gente possa entender que cuidar é importante e não apenas querer ser cuidado."
A pesquisa Retrato da Leitura no Brasil também revela uma informação instigante: em comparação com os não leitores, quem é leitor acaba ampliando o leque de interesse para outras atividades. "A leitura é uma ferramenta de educação, a gente depende dela para entender até matemática. E sabemos também da importância da leitura para o aumento de repertório, enquanto construção pessoa e profissional. Em termos sociais, uma sociedade letrada, que produz conhecimento depende da leitura. É ela quem nos possibilita pensar criticamente", conclui Zoara Failla.
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