A Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundação Joaquim Nabuco lança no próximos dias o Prêmio Delmiro Gouveia de Economia Criativa, que vai reconhecer quem vive da criatividade, da invenção, da inovação. Serão distribuídos R$ 900 mil (novecentos mil reais em prêmios), noventa prêmios no total. Dez para cada um dos estados da região Nordeste. Neste sábado, o pioneiro da industrialização do Nordeste faria 103 anos. Ele construiu a primeira usina hidrelétrica do Nordeste e criou aquele que é tido como primeiro shopping center brasileiro, o Mercado Modelo Coelho Cintra (hoje Quartel do Derby), inaugurado em 7 de setembro de 1899 no Recife.
No artigo publicado abaixo, o jornalista e poeta Mário Helio Gomes de Lima, diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundação Joaquim Nabuco, escreve sobre o pioneirismo de Delmiro Gouveia e a iniciativa de homenageá-lo.
Um Prêmio para a criatividade do Nordeste
Mario Helio
Poucas pessoas se lembrarão de que exatamente num dia 10 de outubro como o de hoje faleceu Delmiro Gouveia. Algumas saberão quem foi ele e por qual razão merece ser lembrado mais de um século e meio depois de haver nascido e exatos 103 anos depois de sua morte. Porque simboliza o desenvolvimento do Nordeste.
Ao longo do século XX, a região que, em boa parte dos tempos da Colonização e do Império, significava riqueza, foi por muitos vista como sinônimo de problema. O lugar das secas. Houve até certa vez um congresso que tratava de sua salvação. Uma superintendência foi criada para ser um motor ordenador do Progresso.
O desenho regional de nove estados tem pouco mais de meio século. Antes, era muito comum a quem vivia no Sul ou Sudeste a referir-se aos de Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará, por exemplo, como “os do Norte”. Depois, paraibanos e baianos passaram a ser vistos como termos genéricos para designar as gentes deste lado do Equador onde, segundo o conhecido dito dos tempos de Maurício de Nassau, não existe pecado.
“Cometi o mais horrível dos pecados. Não tenho sido feliz”. Das frases tocantes de Jorge Luis Borges pode-se derivar outra: cometemos, os que vivemos no Nordeste, um pecado de não conseguirmos ser na Economia o que somos na Cultura: ricos, riquíssimos, imbatíveis no Brasil. Seja na literatura, na gastronomia, no cinema, na música, no artesanato e um etcétera tão longo quanto o rio São Francisco.
Delmiro Gouveia viu naquelas águas a fonte que poderia iluminar e sustentar toda a região. Como Pinto do Monteiro, Patativa do Assaré ou Catulo da Paixão Cearense o fizeram com os seus versos. Poucos sabem ou se lembram que aquele pomposo prédio da Polícia no Derby, no Recife, foi um enorme mercado que Delmiro pôs lá. Não há exagero em dizer que nisso também foi pioneiro: dos shopping centers de hoje em dia.
Há um João, poeta, que escreveu sobre Pernambuco uma definição em verso: “o orgulho de quem já foi mais”. Outro João, empresário, fez do slogan que inventou um lema de vida: “orgulho de ser nordestino”. Entre João Cabral de Melo Neto e João Carlos Paes Mendonça há um Nordeste em comum: o Nordeste incomum. Pujante na cultura e na economia.
Qual elo une João Cabral a João Carlos é fácil de se notar; o que os liga ambos a Delmiro é preciso explicar melhor: a economia (criativa) de um; a criatividade econômica do outro. Tudo resumido numa simples e trabalhosa ideia: de que o nordestino encontra na sua criatividade um dos mais fortes meios de sua sobrevivência econômica. Algo que notou com perspicácia o grande poeta e sociólogo Alberto Cunha Melo, no ensaio “Cultura é sobrevivência”.
Com todos esses argumentos na mente é que à frente da Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundação Joaquim Nabuco, decidimos criar um prêmio para quem vive da criatividade, da invenção, da inovação. O Prêmio Delmiro Gouveia de Economia Criativa. Que vai distribuir novecentos mil reais em prêmios. Recursos oriundos do próprio orçamento da Fundação. Noventa prêmios no total. Dez para cada um dos estados da região Nordeste. O edital vai ser lançado nos próximos dias. É uma modesta contribuição ao desenvolvimento, não só econômico, mas à mentalidade. Aquela mentalidade dos que são talhados “para crescer, criar, subir”, da visão do condor Castro Alves. Dos repentistas que improvisam e cantam e ganham para isto, porque cada trabalhador deve ser digno do seu pagamento.
Com essa mentalidade de um Nordeste desenvolvido e viável prosperou Delmiro Gouveia no seu comércio e na sua indústria. Prosperou Gilberto Freyre com suas ideias. Entre elas, a iniciativa da criação da Fundação Joaquim Nabuco: não somente para pesquisar e estudar os problemas do Nordeste, para encontrar a solução desses problemas. Solução que muitas vezes está, literalmente, nas mãos de uma rendeira e de um oleiro, virtuoses de artesanato tanto quanto é um programador de computadores na invenção de um aplicativo.
Para quem entende que o trabalho intelectual é tão importante quanto o braçal a expressão Economia Criativa é algo absolutamente natural. O Prêmio Delmiro Gouveia é um dos itens de um trabalho mais amplo, que inclui a formação de um núcleo de estudos em permanente atualização, seminários e publicações. Como a que há mais de dez anos foi a iniciativa de Isabela Cribari, então diretora de Cultura da Fundação Joaquim Nabuco, que organizou um livro coletivo sobre propriedade intelectual e direito autoral e outro sobre a economia da cultura.
A Economia e a Cultura, sempre integradas, podem ser vistas ao longo da história da Fundação Joaquim Nabuco. Seja num longo trabalho de Hermilo Borba Filho sobre artesãos, seja em quase toda obra de Gilberto Freyre, começando por Casa-Grande & Senzala, que trata de ambas como inseparáveis. Nos países desenvolvidos são unha e carne. No Nordeste deve ser também, para que cada um, operário ou empresário da cultura, possa atualizar o poeta e dizer de Pernambuco, e dos demais estados do Nordeste: o orgulho de quem é e vai ser mais.
Mario Helio é diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte da Fundação Joaquim Nabuco.
Comentários