Artes cênicas

Cia Experimental de Teatro completa 18 anos de resistência

TRAJETÓRIA Cia Experimental, de Vitória de Santo Antão, planeja atividades comemorativas, como a estreia de solo sobre a pandemia de covid-19

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 01/11/2020 às 9:08
ÂNGELO AZUOS/DIVULGAÇÃO
EQUIPE César Leão, Cida Lopes, Raphael Gustavo e Fabiano Falcão - FOTO: ÂNGELO AZUOS/DIVULGAÇÃO
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As adversidades que marcam o fazer artístico no Brasil costumam aumentar e se mostrar ainda mais evidentes a medida que nos afastamos das capitais e suas regiões metropolitanas. No interior, apesar da cultura pulsante, o apoio às atividades na área é, geralmente, escasso, o que provoca o desmonte prematuro de várias iniciativas. Mesmo diante desse quadro, a resistência continua sendo o norte dos fazedores de cultura, a exemplo da Cia Experimental de Teatro, que há 18 anos desenvolve em Vitória de Santo Antão uma pesquisa continuada a partir de dramaturgias autorais.

Surgida em 2002, a partir de um experimento intitulado Coroado, resultado da união dos exercícios feitos por um grupo de alunos a partir das orientações do diretor César Leão, a Cia Experimental foi casa de muitos interessados por arte na cidade da Zona da Mata ao longo dos anos. Atualmente, além de César, é composta por Cida Lopes, Cirleide Nascimento, Davi Mandarel, Fabiano Falcão, Mirelly Meneses, Raphael Gustavo e Welane Lima. 

O grupo não tem apoios institucionais fixos e banca suas produções. O processo de montagem conta com a colaboração de todos os integrantes, que além de atores assume os papeis de cenógrafos, figurinistas, maquiadores e técnicos de som e luz. A busca por editais costuma vir só após o trabalho finalizado.

"A gente sabe que teatro é resistência em qualquer lugar, mas no interior, realizar um tipo de teatro que costumo chamar de experimental, ritualístico, conceitual, para separar do comercial, é muito mais difícil. Os integrantes têm profissionais distintas: mecânico, professor, artesã, economista, psicólogo. Em comum, temos o teatro. Nesses 18 anos, temos tentado desenvolver um repertório consistente, que revele sobre nossa visão artística a partir das nossas palavras. Por isso, a opção por dramaturgias autorais", explica Raphael Gustavo, três vezes premiado pelo Prêmio Ariano Suassuna de Dramaturgia, responsável pelos textos do coletivo.

O ator e escritor pontua que, além da falta de incentivos, outra dificuldade para os grupos é a falta de espaços apropriados para apresentações. O Teatro Silogeu, uma ramificação do Instituto Histórico e Geográfico da cidade, costuma ser usado para encenações teatrais, mas o custo para o aluguel costuma ser oneroso para os artistas. É lá, também, que tradicionalment e ocorre a MOSTEV - Mostra de Teatro de Vitória de Santo Antão, evento que abre espaço para a produção local.

ESTREIA

Como forma de se adaptar às limitações dos equipamentos culturais, a Experimental tem criado espetáculos capazes de serem apresentados em locais alternativos, a exemplo de obras recentes da companhia, como A Última Cólera no Corpo do Meu Negro e O Gaioleiro. Com este último trabalho, o coletivo iria cumprir temporada no Rio de Janeiro, que precisou ser cancelada abruptamente por conta da pandemia do novo coronavírus.

"Em casa, comecei a refletir sobre o momento histórico e surgiu a vontade de discutir a sociedade de hoje.  Foi daí que nasceu Depois do Fim do Mundo, nosso trabalho inédito. É uma obra sobre um homem que sobreviveu a uma mutação genética provocada pelo coronavírus e que matou praticamente toda a população. Esse personagem, que vive em um teatro abandonado, vai descobrindo sobre os acontecimentos a partir de um diário de bordo deixado por sua mãe, uma atriz", conta.

Para desenvolver o texto, um solo protagonizado por ele, Raphael pesquisou vários textos com cenários pós-apocalípticos e distópicos. Seu interesse foi discutir a tríade ser humano, natureza e sobrevivência, discutindo também a importância da arte para a humanidade. Como explica o criador, durante a pandemia consumiu-se arte abundantemente, ao mesmo tempo em que os profissionais da arte estiveram entre os que mais sofreram com a paralisação das atividades. 

A obra tem previsão de estreia para 29 de novembro, dentro do Mostev. Todo o trabalho está sendo conduzido remotamente e está em processo de finalização dos ensaios, com o coletivo entendendo como adaptar-se à inserção das tecnologias do audiovisuais na cena.

REGISTRO

Entre os projetos da Cia Experimental está também o lançamento do livro Trajetórias, ainda em fase de desenvolvimento. A ideia é registrar como a companhia construiu seus espetáculos ao longo de quase duas décadas, da dramaturgia à montagem, passando pela preparação dos atores, que é um dos pilares de sua pesquisa.

"Encaramos esse material como uma contribuição á memória da cidade. Aqui, grupos nascem e morrem sem deixar rastros. Nosso desejo é que nossa trajetória impulsione outros coletivos", enfatiza Raphael.

 

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