CRÍTICA

'DNA' usa espírito de luto para desenvolver jogo de conflitos familiares

Dirigido e protagonizado por Maïwenn, o drama selecionado para o Festival de Cannes está na programação do Festival Varilux de Cinema Francês

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 28/11/2020 às 12:00
MALGOSIA ABRAMOWSKA/DIVULGAÇÃO
LAÇOS Morte de um idoso patriarca faz com que sua família precise se reencontrar, o que gera conflitos - FOTO: MALGOSIA ABRAMOWSKA/DIVULGAÇÃO
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Se o tradicional Festival de Cannes fosse realizada neste ano, uma das pratas da casa francesa de destaque certamente seria este DNA, longa dirigido e protagonizado por Maïwenn. O filme, selecionado para a suspensa edição deste ano daquele festival, se encontra agora em outro bem mais perto, o Varilux de Cinema Francês, com sessões em diversos cinemas da Região Metropolitana do Recife. Trata-se de um melodrama que se aproveita da confusão sentimental proporcionada pela experiência do luto como um terreno fértil para reconciliações, se não com os outros, consigo mesmo.

O ponto de partida é um idoso patriarca que acaba de ganhar um livro de memória para ser distribuído entre amigos e familiares. Com muitos anos de vida nas costas, o argelino que veio morar na França teve uma vida abundante de vivências políticas e afetivas, em especial com sua volumosa família. Mas sua morte chega e filhos, netos e outros familiares se reúnem, alguns mais próximos entre si, outros com rusgas e assuntos mal resolvidos. Mas agora a reunião é necessária para ajustar os detalhes da despedida daquele que era o elo mais forte entre todos e a dor da perda se mistura com o reencontro de personalidades que não conseguem evitar os choques e tensões.

É desse território de tensão que Maïwenn extrai seu principal combustível dramático. Entendendo o momento do luto como um dos mais estranhos da vida humana, ela encontra um tom muito específico de melodrama, construindo uma delicada balança entre raiva e carinho, mágoa e empatia.

A diretora usa esse momento de confusão interna para que seus personagens entrem em um jogo de negociações emocionais muito bem desenhado, colocando em constante tensionamento aquela ideia de "isso não é um momento apropriado para isso". Ela capta muito bem essa energia idiossincrática desse momento para convertê-la em uma narrativa que vai de conflitos familiares a uma jornada em busca de identidade própria, aqui encabeçada pela própria personagem interpretada pela diretora.

Nesse tabuleiro, é possível articular tanto as vivências e contradições da vida privada de cada um, como também há brechas em que o mundo, a sociedade e a política se entremeiam por esses conflitos. A questão muçulmana e imigratória em Paris entra na discussão com a mesma organicidade. E assim segue esse jogo, em que todos começam a entender quais cicatrizes poderão ser totalmente fechadas e quais é melhor não serem tocadas, com o risco de reabertura.

E tudo sob um verniz naturalista de uma câmera mais solta, de leves instabilidades e toques documentais. Mas também uma imagem que não tenta negar o que há de mais caricato no melodrama, nas luzes e construções dos espaços, como se estivesse ali para pontuar a sutileza do desconforto e dar pitadas de realismo ao mundo. Maïwenn se permite povoar esse mundo com alguns tipos bem demarcados, como o calmo e conciliador parente interpretado por Louis Garrel, uma irmã mais indiferente ou sua própria personagem, que parece ser muito consciente de seu caráter explosivo e segue em uma luta para controlá-lo.

Já sua parte final busca um outro caminho, focado em um auto entendimento possibilitado pelo confronto com as pendências pessoais que aconteceram durante o processo de despedida do patriarca. Então todas aquelas potentes tensões são bem dissipadas e também a energia dramática do filme e das imagens. Surge uma preocupação mais genérica com algo perto de uma solução, uma conclusão, que deixa de lado o que havia de mais poderoso no filme, mas também sem força para sabotar o que há de mais interessante na experiência proposta

MALGOSIA ABRAMOWSKA/DIVULGAÇÃO
NA BALANÇA Luto aparece entre raiva e carinho, mágoa e empatia - FOTO:MALGOSIA ABRAMOWSKA/DIVULGAÇÃO

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