Entrevista Sidney Rocha

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Do clássico filme feminista Thelma e Louise às canções de protesto de Sérgio Ricardo, passando pelas peças de William Shakespeare, o repertório cultural do escritor Sidney Rocha é amplo e plural. Essas referências estão presentes nos vídeos promocionais de seu novo romance, Flashes (Iluminuras, 225 pgs., R$ 39), já em pré-venda, e nas entrelinhas desta obra que encerra a trilogia Gerônimo. Ele conversou com o Jornal do Commercio sobre o livro e as questões da linguagem que lhe são caras.

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 28/11/2020 às 2:00
ANNY STONE/DIVULGAÇÃO
Sidney Rocha, escritor - FOTO: ANNY STONE/DIVULGAÇÃO
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JORNAL DO COMMERCIO - Com o romance Flashes você encerra a trilogia iniciada com Fernanflor (2015) e A Estética da Indiferença (2018). Cinco anos separam o lançamento do primeiro e deste último livro, mas você fala em um ciclo que se originou há dez anos. Por quê?

SIDNEY ROCHA — Considero que os romances dessa trilogia integram o mesmo universo mental, narrativo e estilístico dos livros de contos publicados antes. Eu e meu editor, Samuel Leon, pensamos em um plano de obra, que inclui minha produção em um período específico. A ideia era publicarmos a trilogia toda de uma vez. Mas decidimos publicá-la livro a livro, incluídos os contos, com intervalos de dois, três anos, entre elas, por questões todas acertadas. Cinco anos de escrita e a definição da estrutura geral e particular de cada "livro", ou seja, centenas de páginas depois, publicamos o primeiro volume. Nossa ideia é uni-los em alguma ocasião, e isso inclui livros de contos que, como disse, estão lá nos romances, na atmosfera, na aparição de vários personagens, como é o caso do Castilho Hernandez, de Flashes, que apareceu antes em conto de O destino das metáforas, de 2011, para você ter uma ideia. O tempo (e a qualidade) da mastigação contam mais que o tempo da engolição. Um romance requer um tipo e tempo de maceração. Isso significa bater, quebrar, danificar, alterar aquele corpo até que, ao final, só reste isso: vestígios do que fora um dia, presos às ligaduras da linguagem. O que o leitor ou leitora leem em minha frase é o resultado desses danos. Para mim, o tempo-tempo-tempo-tempo não é o deus mais lindo. É uma força com a qual desejo fazer as pazes. Mas depois de muita luta.

JC — As obras são, de certa forma, independentes entre si - não é necessário ter lido os dois primeiros para se debruçar sobre Flashes. Podemos afirmar que se trata de uma trilogia no sentido mais temático e estético? Qual a principal linha que a costura?

SIDNEY — Trilogia - apesar de se incluir na palavra "logia" - não tem a ver com ciência - biologia, por exemplo - nem religião. Portanto, nunca me preocupou o rigor cronológico ou uma narrativa sequencial, como uma saga de Cromane e de suas figuras. Lidos atentamente esses romances, pode-se verificar que não há apenas presenças similares nos três livros - personagens, cenas, atmosferas e até frases, figuras de linguagem -, mas há aí, sim, uma rigorosa e metódica meditação sobre as artes, suas metonímias, suas metáforas. Um dos pontos dessa unidade tri-lógica é o tratamento da linguagem, a poesia e a música intrínsecas, apenas para ficar neste ponto de referência.

JC — Flashes é um romance bastante sinestésico - desde o primeiro parágrafo: "Você ouve esses flashes? Somente eu escuto essas imagens?" Poderia comentar um pouco como essas escolhas estilísticas se refletem na narrativa?

SIDNEY — Sim, a sinestesia é um recurso válido e muito antigo não apenas de provocar os sentidos e ativar certas opções lúdicas de um texto e com isto despertar mais simpatia ou empatia no leitor. É, no caso dos meus livros, um meio de traduzir o estado de espírito dos personagens ou de compor melhor determinada situação e torná-la mais "física", mais viva, mais próxima do leitor.

JC — Há também muitos jogos de palavras, uma brincadeira com repetições, onomatopeias e neologismos que unem verbos ou sensações distintas em uma única palavra. A experimentação na linguagem é uma característica muito própria de sua obra...

SIDNEY — Sim, desde que somos modernos ou mais que modernos, devemos exercer a liberdade plena, e no caso de um escritor ela começa pela linguagem. A Linguagem, sendo a Liberdade, nunca é uma estátua como a americana, é uma mulher sem gênero e sem transgênero, libidinosa e disposta a todas as libertinagens.

JC — O cenário do livro é Cromane, cidade que sofreu com a especulação imobiliária e com a gentrificação. Em A Estética da Indiferença você apresenta a Cromane nova, planejada, e agora se volta para a cidade antiga e esquecida. Qual sua relação com o espaço urbano do Recife, cidade onde mora, que também é bastante dividida em termos econômicos, culturais e sociais?

SIDNEY — Pergunta fácil e difícil. Cromane não é reflexo do Recife, por mais que possamos buscar analogias e referências. É o espelho de todas as derrotas das arquiteturas e engenharias da felicidade traduzidas em mil formas de desigualdade em quase todas as cidades grandes do mundo na atualidade. Diria que minha relação com o Recife é de morador e de profissional. A cidade, no plano simbólico, não é inspiração obrigatória, mas pode ser útil, como tem sido, desde o meu primeiro romance, Sofia, mas a ventania de lá não é a da praia de Boa Viagem nem a do bairro sem graça das Graças.

JC — Nas suas redes sociais você vem postando pequenos vídeos, pílulas audiovisuais relacionadas ao livro. E em julho deste ano você lançou um curta para a série Plano Piloto, da plataforma O Ovo. Qual a importância desse diálogo entre cinema e literatura no seu projeto artístico?

SIDNEY — É mais do que um diálogo, é uma extensão da narrativa. Durante esses dez anos venho definindo com cautela essa hibridização na minha obra. Meus roteiros que viraram filmes, como Gerônimo, (direção de Anny Stone), são parte dessa natureza híbrida. Acontece isso também no meu teatro, que pode ser facilmente incluído nessa névoa que é Cromane, o que venho produzindo no audiovisual serve igualmente como ponto de interesse. Ou seja, nesses exemplos que você cita e em outros continuo sendo escritor, com obra work in progress, disposto a alterações de toda ordem & desordem.

 

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