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Marcélia Cartaxo lembra os dias de Macabéa em 'A Hora da Estrela'

A atriz interpretou a protagonista do celebrado romance de Clarice Lispector em sua forte adaptação para os cinemas, dirigida por Suzana Amaral

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 09/12/2020 às 13:54 | Atualizado em 09/12/2020 às 14:08
REPRODUÇÃO
SUCESSO Suzana Amaral, levou para as telas a história de Clarice Lispector com Marcélia Cartaxo e José Dumont no elenco - FOTO: REPRODUÇÃO

Em 1985, as angústias e desejos de Macabéa deixaram de ser só palavras em A Hora da Estrela, celebrado romance de Clarice Lispector para ganhar carne, osso e imagem. A jovem datilógrafa nordestina carregada de conflitos e silêncios ocupou as telas na adaptação cinematográfica dirigida por Suzana Amaral, entrando no corpo de uma outra jovem nordestina que partiu para o sudeste carregada de incertezas, precisando se aclimatar ao mundo da “cidade grande”. Trata-se da atriz Marcélia Cartaxo, que vem de Cajazeiras, interior da Paraíba, que saiu dos palcos para fazer sua estreia na frente das câmeras justamente para dar vida à uma das personagens mais emblemáticas da literatura brasileira, tão bem incorporada por Cartaxo ao ponto de lhe render prêmios e abrir as portas para sua carreira.

Suzana estava pronta para filmar seu primeiro longa, uma estreia ambiciosa ao levar para as telas a narrativa de Lispector, então precisava achar logo sua Macabéa. Se tornou uma frequentadora assídua de peças de teatro montadas por grupos nordestinos em São Paulo e esteve na plateia de Beiço de Estrada, montada a partir do texto de Eliezer Filho em um programa de intercâmbio teatral entre grupos do sul e do nordeste. Em seu elenco, estava a jovem atriz de Cajazeiras.

“Ela disse que ficou encantada quando me viu no palco. Que eu era muito cinematográfica, com uma economia nos gestos, no jeito de falar e também uma meiguice, quando eu entrava em cena, as pessoas me viam por dentro. No outro dia, ela me veio com o livro, perguntou se já tinha lido. Eu nunca tinha ouvido falar de Clarice. Li na viagem de volta e fui entendendo quem era Macabéa. Eu não tinha telefone em casa, mas ela tinha meu endereço e me mandou cartas por oito meses falando do projeto. Na última, mandou uma passagem de ônibus para São Paulo”, relembra Cartaxo, em entrevista ao JC.

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Marcélia Cartaxo estreou nos cinemas em 'A Hora da Estrela' e teve uma carreira premiada em seguida - FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

A produtora do filme insistiu que era necessário realizar testes, mas Suzana tinha certeza que Marcélia era a pessoa certa. De toda forma, a atriz fez os testes e passou. Agora era hora de conhecer ainda mais Macabéa para poder se tornar ela. A principal tônica que Suzana investia era a solidão. Juntas, descobriram como era seu pentado, suas roupas e seu jeito de estar fisicamente no mundo.  Na época das filmagens, a diretora não deixava Cartaxo passear pela cidade e não permitia que muitas pessoas se aproximassem dela. Nos sets, ela era colocada muitas vezes em uma cadeira virada para a parede.

“Nessa viagem, eu me sentia completamente Macabéa. Tinha saído poucas vezes de casa, estava nesse lugar estranho. Durante nossa troca de cartas, eu já estava me preparando. Suzana me pediu para observar as Macabéas do meu interior, que eu procurasse as mais caladas, solitárias, recatadas. Ela ia me preparando aos poucos, trabalhávamos concentração, ritmo, memória emocional, memória corporal. Às vezes eu chorava naquela solidão e ela dizia que um dia eu ia agradecer. E quando vi o resultado, a personagem crescendo a cada cena, entendi tudo e realmente agradeci”,relata a atriz.

Entre as maiores dificuldades, além de toda essa imersão na atmosfera solitária da personagem, estavam as cenas entre Macabéa e Olímpico, vivido pelo magistral José Dumont. A exigência emocional era grande e a necessidade de repetição para se filmar diferentes planos tornava o momento delicado. Mas no processo, acabou se tornando uma grande amiga da diretora, que faleceu em junho deste ano. As duas compartilhavam a experiência de fazer um primeiro filme, em um momento em que mulheres diretoras no cinema brasileiro era algo ainda mais raro do que hoje ainda é.

Legado

A adaptação de A Hora da Estrela hoje faz parte da lista dos 100 maiores filmes brasileiros realizada pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) e também abriu portas para a carreira de Marcélia, que hoje conta com dezenas de projetos na televisão e cinema. O filme e a atriz, depois dos vários prêmios no Festival de Brasília, partiram para Berlim. A viagem rendeu frutos e traumas. Em uma viagem de ônibus lá, a atriz foi agredida por um alemão antissemita. Amaral chegou a procurar bolsas de estudo para que Marcélia pudesse estudar lá, mas ela não queria, tinha medo da cidade. Mas em seus bons momentos, viu o filme ser ovacionado e de lá saiu com o Urso de Prata de Melhor Atriz.

"Fui atrás logo de falar com minha mãe e Suzana conseguiu fazer uma ligação para uma vizinha, que chamou ela. Falei ‘mãe, eu ganhei um urso!’ e ela disse ‘traga pra cá não que tem comida pra ele não (risos), tive que explicar que era o prêmio. Quando os prêmios apareceram, todo mundo ficou surpreso. A Hora da Estrela foi meu passaporte para minha carreira e a afirmação do meu trabalho”, conclui a atriz. Atualmente, Marcélia está em cartaz com o filme Pacarrete, que lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado.

FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL
Marcélia Cartaxo estreou nos cinemas em 'A Hora da Estrela' e teve uma carreira premiada em seguida - FOTO:FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

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