"Inventário de um tempo hoje disperso:/Nele sou uma cor, e me despeço,/Sou também uma luz, e, nele, endosso/ A sede de ternura e a minha fome/ De ser só o que sou, nele me expurgo (...)" Os versos de Jaci Bezerra do poema Neste Canto Finquei Meus Alicerces (O Livro das Incandecências, 1985), parecem hoje ecoar com mais força. O poeta faleceu nesta quinta-feira (10) aos 76 anos, após uma parada cardiorrespiratória e alguns anos sofrendo de uma doença degenerativa.
Nascido em Alagoas em 1944, Jaci Bezerra chegou a Pernambuco ainda adolescente, onde fez morada. Em Jaboatão, fez amizade com Alberto da Cunha Melo, José Luiz de Almeida Melo e Domingos Alexandre, unidos pela literatura. O grupo deu início a Geração 65, que logo depois viria a ser conhecido como um movimento de escritores do Recife, reunindo nomes como Fernando Monteiro, Raimundo Carrero, Marcus Accioly, Maximiano Campos, Lucila Nogueira e Tereza Tenório, que também faleceu este ano.
Posteriormente, Jaci foi um dos fundadores das Edições Pirata, uma editora independente cujo catálogo era formado por Lêdo Ivo, Gilberto Freyre, Celina de Holanda e Myriam Brindeiro (cofundadoras) e tantos outros nomes da cena literária pernambucana e nacional.
"Jaci Bezerra deixou uma grande obra poética e o legado das edições Piratas, o maior movimento editorial coletivo da história do Brasil -publicou do mais anônimo poeta da rua 7 de Setembro a célebres como Rubem Braga", conta o escritor e jornalista Xico Sá. "Tive a sorte de ser publicado nessa legião ao mesmo tempo em que o auxiliava nesse projeto. Jaci me abrigou, com emprego, boa comida e boa bebida e uma orientação de leitura."
Ele também atuou à frente da editora Massangana, da Fundação Joaquim Nabuco, na década de 1980. Seu legado se estende para além de sua extensa produção poética, ela deixou sua marca enquanto grande incentivador da cultura pernambucana, gestor e produtor cultural.
A gestora cultural Andrea Mota, que trabalhou junto com o poeta na Fundaj e na Pirata, lembra com muita ternura do amigo e das lições aprendidas com ele. "Era uma pessoa gentil e amorosa, um grane poeta, editor e um dos maiores estrategistas culturais que já conheci. Com a Pirata ele ensinava aos jovens autores que colocassem seus livros no mundo, que escrevessem e publicassem", lembra.
Poesia e festejos
A Livro 7, que já foi a maior livraria do Brasil, era ponto de encontro diário da turma da Geração 65, no Centro do Recife. Foi lá que Jaci Bezerra formou sólidos laços de amizade com o livreiro Tarcísio Pereira e a jornalista Letícia Lins. O poeta não era muito folião, mas sempre comparecia ao bloco Nóis Sofre Mas Nóis Goza, fundado por Tarcísio. "Todo ano a gente escolhi alguém para homenagear com humor. Foi numa dessas ocasiões que Jaci colocou o nome dos Irmãos Evento", rememora Letícia.
A estreia poética e Jaci se deu nos anos 60, quando ele e os outros poetas de Jaboatão foram "descobertos" por Cézar Leal que editava o suplemento cultural do Diario de Pernambuco. Todo esse movimento, que em seguida deu início à Geração 65, foi contada pela cineasta Luci Alcântara no documentário Geração 65, Aquela Coisa Toda, lançado em 2008.
Contemporâneo de Jaci Bezerra nos tempos de adolescência no Ginásio Pernambucanos, o escritor Marcelo Mário Melo conta que sua poesia era profunda. "Ele era um poeta da sensibilidade, escrevia sonetos mas também versos líricos, tratava de temas diversos. Falava de seu pai, do mar, de Alagoas, do Recife, tem um livro inteiramente dedicado à cidade de Olinda. Jaci começou a escrever muito jovem." Os dois se desencontraram durante os anos duros da Ditadura Militar, quando Marcelo foi preso político. Mas, já no começo dos anos 80 se reencontram e, além da amizade, Jaci editou seu primeiro livro pós-prisão.
Jaci Bezerra deixa como legado poético os livros Romances (1968), Laradouro (1973), A Onda Construída (1973), Inventário do Fundo do Poço (1979), Signo de Estrelas (1981), Livro de Olinda (1982), Livro das Incandescências (1985), Comarca da Memória (1994) e Linha d'Água (2007), além das peças de teatro Auto da Renovação (1985) e O Galo (1986).
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