Literatura

Livro 'Loira Suicida', clássico dos anos 1990, ganha edição primeira no Brasil

Escrita por Darcey Steinke, obra aborda o niilismo de uma geração sem perspectivas

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Cadastrado por

Márcio Bastos

Publicado em 19/02/2021 às 12:48 | Atualizado em 19/02/2021 às 12:53
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Lançado nos Estados Unidos em 1992, Loira Suicida, da escritora Darcey Steinke, ganha sua primeira edição brasileira quase trinta anos depois, através da Companhia das Letras (184 páginas, R$ 68). A obra captura a melancolia que infiltraria a cultura estadunidense na década de 90, com o niilismo que se refletia em outros movimentos culturais, como o grunge, na música; no cinema e nas artes visuais.

No livro, acompanhamos a protagonista Jesse, que narra em primeira pessoa suas desventuras em San Francisco, cidade para a qual se mudou após deixar para trás a vida conservadora como filha de um ministro da Igreja Luterana na Virginia. Aos 29 anos, ela vive as angústias de uma relação conturbada com o namorado, Bell, que a trata com uma crescente apatia. Juntos, eles se lançam em uma espiral de situações destrutivas, mediadas por sexo violento e drogas.

O contraste da boemia californiana — epicentro dos movimentos hippie, feminista e de diretos LGBTs nos anos 1960 e 1970 — com a rigidez moral de um estado integrante do chamado Cinturão da Bíblia também explicita com maestria as questões do tempo em que foi escrito (com ecos no presente). A decadência moral de uma sociedade devastada pelo liberalismo econômico dos anos 1980, no terror e abandono governamental diante da crise da Aids, na falta de perspectiva por dias melhores, permeia toda a narrativa de Darcey Steinke.

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PULSANTE Loira Suicida aborda as contradições da protagonista - DIVULGAÇÃO

O vazio da vida de Jesse e sua apatia diante do seu entorno escondem, também, desejos frustrados por uma fantasia normativa que ela julgava querer fugir. Suas angústias começam a tomar corpo e a despertar uma autoconsciência que não vem como uma iluminação, mas como um processo doloroso. Um comentário do namorado sobre seu relógio biológico, por exemplo, dispara nela um gatilho sobre a maternidade, envelhecimento, e sobre suas escolhas.

“Na Virgínia era fácil me convencer de que eu era uma pessoa interessante, mas ali não
era diferente das demais mulheres. Não conseguia deixar de pensar que, trinta anos antes, estaríamos casadas, cozinhando, tricotando, empurrando móveis — começando uma família. Não me entendam mal,
há artistas obsessivas e brilhantes em San Francisco. O problema é que vir para cá me fez perceber que eu não era uma delas”, reflete em determinado momento.

A fluidez e crueza da escrita de Steinke criam um retrato vigoroso das contradições de uma juventude que
soa assustadoramente semelhante à da atualidade, que vive anos desesperançosos de isolamento social, necropolítica e desemprego.

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