Literatura

Heloisa Buarque de Hollanda reúne mulheres poetas em nova coletânea

'As 29 Poetas Hoje' celebra o trabalho de artistas da nova geração entre elas três pernambucanas

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Márcio Bastos

Publicado em 05/03/2021 às 23:32
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Heloisa Buarque de Hollanda trabalha, como ela mesmo define, com o contemporâneo. A escritora e professora de teoria crítica da cultura na UFRJ interessa observar as tendências e como elas se manifestam na arte e na sociedade. Foi assim que, em 1976, com o Brasil sob a repressão da ditadura militar, ela reuniu escritores, em sua maioria desconhecidos, na coletânea 26 Poetas Hoje (280 páginas, R$ 39,90), que ajudou a projetar talentos como Ana Cristina Cesar.

A obra ganha uma reedição pela Companhia das Letras e inspira uma nova seleção organizada pela pesquisadora, As 29 Poetas Hoje (264 páginas, R$ 69,90). Nela, são reunidas autoras da nova geração, entre elas as pernambucanas Adelaide Ivánova, Bell Puã e Luna Vitrolira.

"Na década de 1970, estávamos em uma depressão horrorosa. A universidade estava esvaziada, você não podia trabalhar, as pessoas desapareciam, eram presas; o cotidiano era muito pesado. De repente, começou uma onda de poesia tão interessante e a gente via poetas em todos os lugares: cinemas, bares, nas festas, os poetas do rock. Com a imprensa cerceada, tivemos uma juventude muito prejudicada, sem informação. Nesse sentido, a poesia era um lugar que registrava esse clima da época. Os poemas tinham um denominador comum que era a paranoia cotidiana, então me dediquei a estudar isso", explica Heloisa.

De início, 26 Poetas Hoje não foi bem recebido. Por romperem com algumas regras até então vigentes e apresentarem outras possibilidades poéticas, os escritores presentes no livro foram acusados de não exercerem literatura. Hoje, a obra é considerada um clássico. Entre suas participantes estava Ana Cristina Cesar (1952-1983), que se tornaria uma das poetas mais influentes do País, inspirando novas gerações.

"Ana Cristina trouxe uma novidade grande que foi assumir a persona da mulher. Não que antes não existissem grandes poetas, mas os temas não se aprofundavam no cotidiano infernal da mulher. Ela colocou o dedo na ferida e começou a brincar com os simulacros do que é ser mulher, ironizando o olhar 'fetichizado' do homem. Ela abriu uma caixa de pandora para falar da subjetividade da mulher", explica.

CORPO PRESENTE

A escritora influenciou diretamente o que Heloisa classifica de jovem cânone da poesia de mulheres, com nomes como Ana Martins Marques, Marília Garcia, Alice Sant'Anna, Bruna Beber e Angélica Freitas... E é Angélica, aponta a pesquisadora, quem também oferece uma base para a criação de uma nova geração, reverberando nos trabalhos das artistas reunidas na nova coletânea, especialmente com sua obra Um Útero é do Tamanho de Um Punho (2012).

"Em Angélica, o corpo começa a se materializar. Ela mostra que o universo da mulher não é delicado; é cru. Elas são mortas, violentadas, assediadas; quando competem com os homens, geralmente perdem. É uma vida complicada. E isso reverbera diretamente com a quarta onda do feminismo. Se na minha geração o corpo era um projeto, para essas jovens ele já é uma realidade e elas querem garantir o direito de serem donas de si. É uma geração pós-2013, que absorveu a linguagem da internet e apresenta suas demandas de forma mais horizontalizada, do 'eu político'", reflete.

Além das recifenses, participam da coletânea Maria Isabel Iorio; Ana Carolina Assis; Elizandra Souza; Renata Machado Tupinambá; Bruna Mitrano; Rita Isadora Pessoa; Ana Fainguelernt; Luz Ribeiro; Danielle Magalhães; Catarina Lins; Érica Zíngano; Jarid Arraes; Mel Duarte; Liv Lagerblad; Marília Floôr Kosby; Luiza Romão; Raissa Éris Grimm Cabral; Cecília Floresta; Natasha Felix; Nina Rizzi; Stephanie Borges; Regina Azevedo; Valeska Torres; Yasmin Nigri; Dinha; Marcia Mura.

A pesquisadora aponta que essas artistas colocam na linha de frente suas vivências em uma sociedade machista, expressando-se de forma incisiva e combativa. São relatos poéticos que colocam em diálogo a micro e a macropolítica a partir da singularidade - e também do que é compartilhado - por essas artistas.

A pluralidade de vozes presentes no livro, aponta Heloisa, é um reflexo das mudanças sociais. Se na sua primeira publicação só havia cinco mulheres e um negro, neste, além do recorte de gênero, também há pluralidade nas questões de raça, classe, sexualidade com representantes de diferentes estados do País.

Os trabalhos das poetas estão acompanhados por um QR Code que permite ao leitor ouvir suas criadoras recitando-os. A ideia surgiu por conta do slam, que corporifica a poesia ao interpretá-la com a voz e o corpo, e tem representantes na antologia, como Bell Puã e Luna Vitrolira,

Nesta segunda-feira (8), Dia Internacional da Mulher, Heloisa e as poetas que integram o livro participam de uma live, às 18h, no canal da Companhia das Letras no YouTube, para falar sobre a obra.

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