Espetáculos da Paixão de Cristo amargam segundo ano de cancelamento
Produtores e turismo amargam, pelo segundo ano, a não realização do espetáculo teatral na Semana Santa devido à pandemia
Pelo segundo ano, os pernambucanos se deparam com um silêncio incomum na Semana Santa. Em Fazenda Nova, no município do Brejo da Madre de Deus, o vaivém de pessoas de todo o Brasil deu lugar às ruas vazias. No Recife, o canto dos martelos que estariam montando palco no Marco Zero foi substituído pelo ruído dos poucos carros que transitam pelo Bairro do Recife. O mesmo acontece em outras cidades, como Limoeiro, que nesta época do ano também estaria prestes a realizar sua Paixão de Cristo.
O espetáculo tradicionalmente reproduzido do Litoral ao Sertão pernambucano durante a Semana Santa não pode ser realizado neste ano, assim como no passado, em detrimento da pandemia. Se o impacto espiritual do cancelamento é imensurável, o artístico e turístico faz-se sentir através do prejuízo econômico para quem ano a ano está envolvido com essa atividade.
Somente com o cancelamento da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, em Fazenda Nova, considerado o segundo maior evento religioso do Brasil, estima-se que 1,5 mil empregos diretos e 8 mil indiretos deixaram de existir nestes dois anos sem espetáculo, de acordo com dados da Sociedade Teatral de Fazenda Nova. O impacto também é sentido em Caruaru, onde seriam esperados cerca de 250 mil turistas e uma injeção de mais de R$ 200 milhões na economia local.
"São pessoas humildes que nos ajudam a realizar o evento. Elas estão recolhidas em seus lares, apreensivas pela falta de recursos para comprar alimentos e sofrendo psicologicamente. (...) Também saíram perdendo o comércio da cidade, os autônomos que negociavam no entorno do teatro e a rede hoteleira de todo o Estado, principalmente Recife, Porto de Galinhas e Caruaru que, durante a temporada, recebiam grande fluxo de hóspedes na Semana Santa", afirma Robinson Pacheco, presidente da STFN, ao Blog de Jamildo, do NE10.
Ao blog, Robinson Pacheco revelou que aguarda retorno de um projeto emergencial apresentado por ele ao ministro do Turismo, Gilson Machado, e ao secretário Especial de Cultura, Mário Frias. Ele conta que, sem apoio dos governos estadual e federal, terá de cancelar a temporada de 2022, demitir os funcionários e encerrar as atividades. "Depois de mais de um ano de dificuldades, não temos mais recursos para a manutenção da cidade-teatro e muito menos para produzir um novo espetáculo. Teremos que fechar tudo, inclusive a Pousada da Paixão, que funciona dentro da Nova Jerusalém."
SEM TURISMO
A comerciante Maria do Socorro Silva, que mantém uma das 350 lojas da feira de artesanato de Caruaru, estima queda de 80% nas vendas, sem a Semana Santa, nem o São João, neste ano e no que passou. "Todo visitante que vai para Fazenda Nova passa na nossa feira e leva uma lembrancinha. Pra gente é importante, porque divulga nossa cultura e aquece nossa economia."
O músico Pereira do Acordeon, que tocava forró para os turistas que transitavam por Caruaru na Semana Santa, se emociona: "Abalou muito não só financeiramente, como psicologicamente. Gosto de fazer forró, de ver o povo dançando. (...) Só podemos pedir a Deus para a pandemia acabar e que todo mundo coopere também. A esperança é a vacina".
Desafios para a Paixão de Cristo fora de Nova Jerusalém
No Recife e em Limoeiro, o cancelamento dos espetáculos da Paixão de Cristo também trouxe impactos severos e obrigou as produções a se readaptarem para continuarem presentes ao fiel público.
Na capital pernambucana, o planejamento é realizar a Paixão de Cristo no segundo semestre, provavelmente em outubro, de forma virtual. "Pela resistência de fazer um projeto tão significativo como esse e também para pagar o cachê aos artistas, técnicos, diretores e produtores que, como todos sabem, estão numa situação difícil. Mas também porque estamos ficando longe do público. Por tudo isso, a gente precisa mostrar que a peça está viva, e só podemos fazer isso realizando o espetáculo", diz ao Jornal do Commercio o produtor Paulo de Castro.
Segundo ele, a peça deve ser condensada para que dure cerca de uma hora. Neste momento, além de ensaiar e preparar o texto, a produção busca patrocínio para custear o espetáculo e gerar renda para sua equipe, que tem cerca de 300 pessoas.
Já a Paixão de Cristo de Limoeiro, que conta com cerca de 150 integrantes na sua equipe, decidiu que a data não poderia passar em branco. No sábado (3), haverá exibição do filme do espetáculo de 2019. "É uma alegria poder exibir o filme. Ao mesmo tempo, é uma tristeza bem maior, pois estamos impedidos de realizar qualquer tipo de evento, o que é muito justo, de qualquer forma, pois nada é mais valioso do que nossa vida", pontua Jorge Pestana, produtor do espetáculo.
Ele organiza, junto com a Prefeitura, campanha de arrecadação de alimentos para amenizar os impactos econômicos na cidade. As doações podem ser feitas no Espaço Xililique, no bairro Pirauira, ou entregues à equipe em esquema organizado por telefone (99985-2915).
Por Augusto Tenório, com colaboração de Renata Araujo (TV Jornal Caruaru)