Literatura

'Crônicas Comunistas': livro recupera publicações de esquerda no Recife do início do século 20

Publicação é lançada no dia 22 de junho, em live no YouTube da Cepe Editora

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Cadastrado por

Márcio Bastos

Publicado em 22/06/2021 às 15:00 | Atualizado em 22/06/2021 às 15:01
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O Recife tem em seu DNA traços conservadores e progressistas que parecem em constante conflito. O "maligno vapor pernambucano", como classificavam os monarquistas que tentavam reprimir as tentativas de emancipação da Revolução de 1817, ou "a ardência natural dos pernambucanos, como defendiam, bem-humorados, os revolucionários, encontrou um terreno fértil na década de 1920, quando pensadores articularam ideias que buscavam transformar a mentalidade local e instituir pautas modernas, mais inclusivas e democráticas.

Parte dessa produção foi divulgada no jornal O Tacape, que circulou entre janeiro de 1928 e novembro de 1929. Alguns desses textos foram recuperados por Ricardo Japiassu Simões e estão presentes no livro Crônicas Comunistas. Publicada pela Cepe Editora, a obra é lançada nesta terça-feira (22), às 19h, em live no canal da editora no YouTube. Na ocasião, o autor conversa com o escritor Raimundo Carrero; com o professor de Literatura, poeta e crítico literário Alexandre Furtado e com o editor da Cepe, Diogo Guedes, que fará a mediação.

A obra é fruto de uma vasta pesquisa que resgatou textos Raul Azedo, Joaquim Pimenta e Alice Azedo Pimenta, intelectuais e ativistas de grande influência na história e na cultura do Recife no início do século 20. Além de colocar as ideias destes textos quase seculares em diálogo com a atualidade, Crônicas Comunistas evidencia um momento de efervescência da história pernambucana, quando questões ligadas aos direitos trabalhistas, mudanças políticas e questões sociais e identitárias, como o direito das mulheres, estavam em pauta.

Os materiais pesquisados por Japiassu estavam salvaguardados por instituições como a Fundação Joaquim Nabuco, Faculdade de Direito do Recife e Biblioteca Pública Estadual. Em suas 168 páginas, o livro reúne 11 crônicas de Raul Azedo, médico baiano e progressista radicado no Recife e nove textos Joaquim Pimenta, jornalista, advogado e professor cearense também radicado em Pernambuco, opositor das oligarquias e da Igreja, com ampla atividade no movimento operário.

Outro destaque é o resgate de nove crônicas de Alice Azedo Pimenta, filha de Raul Azedo, casada com Joaquim Pimenta, feminista atuante, que, em uma sociedade conservadora e patriarcal, escrevia sobre a necessidade do divórcio (só instituído em 1977), violência doméstica, direito ao voto e à participação das mulheres na vida pública.

Confira alguns trechos do livro: 

Alice Pimenta

“Os últimos assassinatos ocorridos nesta capital devem pesar na consciência dos legisladores como crimes: duas mulheres tombaram sem vida e três outras feridas gravemente. Não foram revólveres vingativos ou punhais acerados que as abateram: foram as leis brasileiras. Foram decretos que armaram braços de maridos cruéis. Se tivéssemos o divórcio, essas infelizes não teriam sucumbido. E eles também se tornaram assassinos porque, a não ser assim, estariam ainda presos a cadeias que lhes pareciam de ferro. [...] O divórcio, como nós temos, é uma farsa cruel. Cada um dos cônjuges deve ter o direito de renovar seu viver [...] Eles sabem que o casamento brasileiro prende à casa, até a morte, mulheres sofredoras. Mas de que valem, moralmente, os elos dessa cadeia? Não será sempre melhor ter presa pelo afeto uma mulher do que tê-la presa por conveniências sociais? “ (Trecho da crônica À margem da vida)

Raul Azedo

“Longe, porém, de se preocuparem com essa gravíssima ameaça à integridade do nosso território e à nossa mais poderosa fonte de riqueza, os que empolgaram a direção do País desejam os cofres públicos em proveito próprio e dos mercenários que os sustentam, andam em passeatas e banquetes pelos estados, refocilam-se na Europa e acomodavam-se, a troco de migalhas, com os abutres que dilaceram a pátria. Nada enxergam, nada são capazes de prever em prol da coletividade.” (Trecho da crônica O perigo argentino)

Joaquim Pimenta

“Os males sociais que nos afligem: corrupção e desvarios políticos; bancarrota financeira crônica, produto de governos imprevidentes, inábeis ou pouco escrupulosos; crises econômicas generalizadas e tendentes, dia a dia, a agravar-se; atentados ostensivos a direitos irrevogáveis; ignominiosas adulterações de normas constitucionais para amparar ambições de mando ou salvaguardar interesses de camarilhas... todo esse quadro lúgubre de misérias humanas, denunciando a decadência precoce de um regime em um povo que mal se inicia na história da civilização contemporânea, repete-se a cada passo e é o reflexo de uma profunda depressão de caráter nos principais dirigentes do país. [...] A hora que vive o Brasil exige, dos que ainda não se corromperam pelo ambiente deletério da politicagem, uma conjugação de esforços que venha pôr termo a um estado de coisas que só um povo com alma de escravo é capaz de suportar.” (Trecho da crônica Governo e povo)

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