'007 - Sem Tempo Para Morrer' é uma despedida à altura de Daniel Craig como James Bond
Último filme do ator na franquia é ágil, violento e emotivo, como o personagem que ele desenvolveu
Uma das características mais interessantes dos filmes estrelados por Daniel Craig na franquia 007 é a complexidade dada a James Bond. O agente secreto mais famoso do cinema costumava ser uma figura com traços psicológicos muito delimitados, mas, para além do cabelo loiro e de muitos músculos, desde Casino Royale (2006) ele ganhou camadas e cicatrizes (físicas e emocionais) que o tornaram ainda mais interessante. Esse desenvolvimento do personagem atinge o ápice em 007 - Sem Tempo Para Morrer, longa que chega aos cinemas hoje, após mais de um ano da data de estreia inicial, em decorrência da pandemia.
Este 25º filme da franquia — e o quinto com Craig como protagonista —, funciona como uma sequência direta de Spectre (2015), e dos anteriores, Skyfall (2012), Quantum of Solace (2008), e o já citado Casino Royale. Com uma sequência de abertura impactante, que consegue criar momentos de tensão absoluta, o filme recupera a trama de seu antecessor, adicionando novas camadas não só à trajetória de Bond, como também de seu par romântico, a psiquiatra Madeleine Swann (Léa Seydoux).
Fora do MI6, James se isolou na Jamaica, onde tem sua tranquilidade interrompida após o amigo Felix Leiter (Jeffrey Wright), da CIA, o recutrar para uma missão em Cuba, após uma importante e pouco conhecida pesquisa ter sido roubada de um laboratório em Londres. Antes de aceitar, ele conhece Nomi (Lashana Lynch), que assumiu o seu lugar no serviço secreto. Ambos seguem caminhos diferentes para Cuba, onde devem recuperar um cientista e sua pesquisa.
No país caribenho, Bond conta com a ajuda da Paloma (Ana de Armas), que aparece como uma clássica "bond girl", mas subverte o papel puramente sexualizado que era reservado a essas personagens até os anos 1990. Essa mudança de tom é um dos pontos altos de Sem Tempo Para Morrer, que não deixa de ressaltar o lado sedutor do agente secreto, mas não cai no discurso sexista e misógino que tantas vezes caracterizou a franquia.
MUDANÇA DE TOM
O roteiro, assinado por Phoebe Waller-Bridge (Fleabag), Neal Purvis, Robert Wade e pelo diretor Cary Joji Fukunaga, consegue mesclar os elementos clássicos dos filmes de 007 ao mesmo tempo em que estabelece uma ligação com a atualidade. Há referências aos filmes anteriores, incluindo os clássicos dos anos 1960, que vão agradar os fãs mais atentos. Eles também amarram bem as pontas deixadas pelos filmes anteriores protagonizados por Daniel Craig.
Mais uma vez a organização criminosa Spectre é uma das antagonistas de Bond. Ernst Stavro Blofeld (Christoph Waltz), vilão do longa anterior, aparece mais uma vez, porém não está sozinho na arquitetura dos planos que podem comprometer a vida de milhões de pessoas. Além dele, o agente com licença para matar precisa impedir as ações de Safin (Rami Malek), cujo passado está ligado a alguém próximo a Bond. Em sua jornada, Bond conta com a ajuda de Nomi e também de seus velhos parceiros do MI6, Q (Ben Whishaw), Eve Moneypenny (Naomi Harris), Bill Tanner (Rory Kinnear) e M (Ralph Fiennes), com quem mantém uma relação conturbada.
Com uma trama ágil e inteligente, além de cenas de ação impressionantes, 007 - Sem Tempo Para Morrer consegue desenvolver tanto a trama mais ampla, "a missão", como os conflitos internos de Bond. O personagem se confronta com vários de seus demônios e sentimentos e se mostra mais vulnerável do que nunca. Vale ressaltar a direção de Fukunaga, segura tanto nas cenas de ação como psicológicas.
É uma despedida à altura para Daniel Craig, que anteriormente já havia dito que este seria seu último filme como o personagem. O ator deixou sua marca como 007, que ganhou aspectos humanizados, brutais, quase como uma criação shakespeareana. O próximo protagonista terá uma missão árdua de criar seu próprio tom, mas, a julgar pelos caminhos adotados pela franquia, o velho Bond continuará se renovando.