Filha caçula de Belchior se torna cantora para se reconectar ao pai que viu só na infância; ouça a voz de Vannick Belchior
Ela e o pai estiveram juntos, pela última vez, quando tinha apenas 10 anos
Se estivesse vivo, Belchior completaria nesta terça-feira, 26 de outubro de 2021, 75 anos. O cantor e compositor partiu em 30 de abril de 2017, deixando um legado à música popular brasileira; e, agora se sabe, também pode ter legado à filha caçula o ofício de cantar. Ela se chama Vannick Belchior e canta com um timbre, digamos, indomado — que nem era o do pai. Há na voz dela quase um vestígio de DNA dele. Há nela um quê dele.
Faz apenas 1 ano que Vannick Belchior se pôs diante da música como cantora — embora cantarolasse desde criança. Estava com a voz guardada; assim como guardada também estava a sua relação com o pai.
Caçula
Filha de Vilédia Souza — a segunda companheira de Belchior, com quem ele viveu 11 anos —, a jovem de 24 anos, recém-formada em direito, viu o pai, pela última vez, quando tinha 10 anos de idade. Ela é a filha de caçula de um total de quatro, de diferentes relacionamentos, sendo a única nascida no Nordeste.
Do encontro derradeiro com a filha caçula para logo em seguida, o artista entrou no período de reclusão quando virou notícia nos últimos anos de vida; era procurado por causa de dívidas e da curiosidade, morando no Uruguai e no interior do Rio Grande do Sul, até a sua morte em 2017. Vannick estava com a idade lá pelos 20 anos.
Em Fortaleza, onde mora, ela seguiu a vida com memórias da infância com o pai — entre elas, eles na praia de Iracema. Os anos passaram e até as fotografias com ele foram perdidas, num episódio de infiltração. Ela também lembra quando, menina, cantou para ele "Medo de Avião". Recorda ele, à sua frente, um pai emocionado.
Um reencontro com o pai
A reconexão de Vannick com Belchior surgiu como coisa do destino: ela foi a um show em que o maestro e músico Tarcísio Sardinha — que acompanhou Belchior na sua chegada a Fortaleza, recém-saído de Sobral, no interior cearense, nos anos 70 — tocava a obra do cantor e compositor.
Vannick foi, então, apresentada a Sardinha, que nela viu e ouviu Belchior. Ele a fez cantar, ela virou cantora. "Se fosse homem, a voz era igual", disse o maestro numa entrevista ao programa "Domingo Espetacular", da Record TV. "Eu diria que é uma sorte do cantor quando tem a voz assim, porque é meio única, não tem muita gente igual", comenta ele, avaliando que a voz dela não é nem grave nem aguda.
O canto de Vannick Belchior já foi ouvido em live-show e apresentações ao vivo. Uma delas em Natal — seria intimista, mas reuniu um público maior do que o previsto. Na plateia, diferentes gerações de gente apaixonada pelo que Belchior escreveu e cantou.
Essa incursão da novíssima cantora na música é um projeto que se chama "Das Coisas que Aprendi nos Discos", verso de "Como Nossos Pais", uma das grandes canções de Belchior, gravada pela primeira vez — e numa versão para sempre — por Elis Regina. A atitude de cantar o pai a levou a gravar seu primeiro single, que reúne, na mesma faixa, "Divina Comédia Humana" e "Medo de Avião", lançado há alguns dias em plataformas digitais, como o Spotify.
"Das Coisas que Aprendi nos Discos" é — até aqui e onde chegar — tanto o projeto de uma jovem de 24 anos dando continuidade à obra de um dos maiores compositores da música popular brasileira, quanto um exercício de uma filha se reconectando ao pai.
"Ter encontrado ex-parceiros do meu pai — estar me unindo com eles e aprendendo, ouvindo histórias dele e tocando na obra dele — faz com que eu possa compreender, antes do Belchior, o meu pai. E assim eu me descubro também", falou Vannick Belchior também ao "Domingo Espetacular".
O jornalista e escritor Jotabê Medeiros — autor da biografia "Belchior: Apenas um Rapaz Latino-americano" (editora Todavia) — disse que "o mais importante que Belchior legou aos filhos é o repertório, a produção artística". "Quando ela se apropria disso, e passa a cantar isso com o sentimento daquelas canções, ela realmente está se conectando com o pai."