CONSCIÊNCIA NEGRA

Dia da Consciência Negra: Quem foi Esperança Garcia, primeira advogada negra do Brasil?

Mulher negra escravizada, Esperança Garcia escreveu uma carta ao governador do Piauí, em 1770, denunciando maus tratos na fazenda em que vivia

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Bruno Vinicius

Publicado em 20/11/2021 às 7:00 | Atualizado em 20/11/2021 às 10:08
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Em 6 de setembro de 1770, uma mulher negra escravizada escrevia uma carta para o governador da capitania do Piauí. Aquele documento, futuramente, tornar-se-ia histórico. Ele garantiu que Esperança Garcia fosse considerada a primeira advogada do Piauí. Na carta, considerada uma das primeiras dos direitos humanos no País, ela denunciava as situações de violência que ela, as companheiras e seus filhos sofriam na fazenda de Algodões, em uma região próxima a Oeiras, que ficava a 300 quilômetros de Teresina, futura capital do Piauí.

"Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal", inicia a sua carta, em tradução livre para a nova língua portuguesa. 

Fotografia: Paulo Gutemberg
Carta de Esperança Garcia - Fotografia: Paulo Gutemberg

No documento, ela declara as duras violências que sofria na fazenda, como as agressões que eram proferidas às crianças. "A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei", relata Esperança.

"A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha aos olhos em mim ordenando digo mandar ao procurador que mande para a fazenda de onde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha", finaliza a carta.

Como foi encontrada?

O documento foi encontrado pelo historiador Luiz Mott no Arquivo Público do Piauí em 1979. A busca foi feita durante a pesquisa de mestrado dele. "O texto, em uma única página, escrito à mão, trata-se do documento mais antigo de reivindicação de uma pessoa escravizada a uma autoridade", diz o texto do Instituto Esperança Garcia, que mantém a memória da advogada no estado piauiense.

Acredita-se que ela aprendeu a escrever e a ler português com os jesuítas catequizadores. "Após a expulsão dos jesuítas do Brasil, pelo marquês de Pombal e a passagem da fazenda para outros senhores de escravo, ela foi transferida para terras do capitão Antônio Vieira de Couto", conta o instituto.

A data da carta, de 6 de setembro, virou o Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí. Em 2017, por meio da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra do Piauí, Esperança Garcia foi reconhecida pela OAB/PI como a primeira advogada piauiense.

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