LITERATURA

Nivaldo Tenório lança seu 3º livro de contos, 'Verão', que destaca sua escrita habilidosa ao narrar histórias pouco solares

Contista garanhuense apresenta dez contos em que narra, com texto poético, durezas em realidades insalubres, desenganadas e desgastadas

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Romero Rafael

Publicado em 11/02/2022 às 11:26 | Atualizado em 11/02/2022 às 11:33
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Há um resto de concreto, que um dia já foi algo, mas que agora, abandonado na praia, parece ruína de maresia, soterrando na areia, tapando a vista para um mar verde. A fotografia está na capa de "Verão", livro de contos do escritor Nivaldo Tenório, editado pela Cepe e em lançamento nesta sexta-feira (11), das 17h30 às 19h, na Livraria Jaqueira do bairro que lhe dá nome. A imagem adianta que a estação, embora com sol, não é apenas solar. Onde há veraneio há insolação.

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LANÇAMENTO Verão (Cepe) reúne dez contos com certa unidade - DIVULGAÇÃO

Outros verões ambientam os dez contos reunidos na obra do contista garanhuense, autor também de "Dias de Febre na Cabeça" (2014) e "Ninguém Detém a Noite" (2017), ambos lançados pela Confraria do Vento. O calor é metáfora para os incômodos que ele nos faz saber e testemunhar: uma queimadura por alta exposição solar, uma alergia, uma doença, a morte; um trabalho morboso, um quarto sem cortina, um jardim que exige, uma espera que é sempre espera.

Mas a escrita de Nivaldo Tenório é poética. Amacia a dureza de realidades insalubres, desenganadas, desgastadas. São tragédias (ou minitragédias) de cotidianos, que nos ocorrem no percurso da vida, narradas com o peso que têm, sem sentimentalismo.

Ele, aliás, considera que "o conto tem mais relação com a poesia do que com o romance". E explica: "Exige um leitor mais sofisticado, disposto a participar do processo criativo — precisa de um leitor com a mão na pena. Isso me fascina muito no conto, porque não me interessa apenas o registro de uma história, me interessa todas as possibilidades e potenciais presentes nessa história".

Fascina também a Nivaldo aquele franzido na testa que a gente faz quando termina a leitura de um conto com a sensação de que perdeu algo na narrativa — ou com o constrangimento ou a intriga de quem não alcançou o que o contista camuflou.

"Eu gosto do não dito e de explorar todas as camadas", diz ele, que cita sua experiência como leitor da contista neozelandesa Katherine Mansfield — "Ficava com uma sensação de como se eu tivesse feito uma leitura apressada, que alguma coisa me escapou. Quando a gente escreve e dá essa sensação, o conto teve êxito".

Digo-lhe que 'Verão', conto que dá nome ao livro, tem potencialmente essa capacidade de fazer voltar as páginas.

A escrita de Nivaldo Tenório é, além de poética, sofisticada e engenhosa, feita com muitas camadas. O texto vai se revelando como um fluxo — muito bem construído, direcionado — de variados tempos e vozes. É sutil, pelo não dito. Aloca certa história na ditadura militar sem jamais citá-la. Interessa o sentimento, o comportamento, o que o regime provocou.

"Quando eu escrevo, aquilo com que eu mais me preocupo é criar uma atmosfera. Em Bergman [o diretor de cinema sueco Ingmar Bergman], da 'Trilogia do Silêncio', a coisa que eu mais gosto é a atmosfera que ele constrói. Quando a gente traz para a literatura, temos, além da criação da atmosfera, uma história. Recorro ao [escritor Ricardo] Piglia, nas 'Teses sobre o Contos': o conto tem duas histórias, uma secreta e uma que aparece na superfície. A minha maior preocupação é com a impressão, não é exatamente com o enredo, nem com o que está sendo dito. Estou sempre interessado em criar uma atmosfera."

O conto que intitula o livro se afina com a pandemia que a gente vive, sem ser uma obra sobre esta crise de saúde. O livro, aliás, foi escrito há quatro anos. Ele recorre a problemas sanitários já superados, porque doenças o interessam enquanto substância para suas histórias. Gosta de explorar "a dificuldade que os seres humanos têm de lidar com a realidade", fala. E é por isso que finitude é um assunto que costura os textos — se não todos, a maioria; especialmente 'Tsunami', 'O Jardim de Laura' e 'Domenico'.

Até em 'Míchkin', conto que destoa dos demais, com algo cômico — na intenção de dois rapazes mórmons tentando evangelizar um garoto "que discute detalhes de 'Senhor dos Anéis' e 'Harry Potter' com a mesma seriedade dos ambientalistas preocupados com a Amazônia" —, o confronto com a realidade se coloca, no quanto a gente recorre a fantasias. Ou a solares veraneios.

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