Cida Pedrosa lança "Estesia", seu primeiro livro após ganhar o Prêmio Jabuti
Obra reúne 40 haicais e fotografias feitos no início da pandemia
Quando a pandemia estourou, as ruas do Recife já não eram mais aquelas por onde nos habituamos a quase só transitar. Esvaziadas, sem tanta gente nem carros nem comércio, sobressaíram outros elementos, naturais e sociais. Cida Pedrosa olhou para eles. Primeiro, das janelas de sua casa, e depois durante os passeios com Bob Marley — um lhasa apso de 13 anos — pela Zona Norte da capital, onde vivem.
"Encontrei cães e pessoas nas marquises, com fome, e ao mesmo tempo uma natureza que se rebelou para a beleza, porque a nossa ausência fez com que flores nascessem e as calçadas tivessem formigueiros. Isso tudo foi me comovendo."
Do que a escritora viu e sentiu há imagens e poemas agora encorpados em papel. São 40 fotografias que revelam o momento/gatilho da criação poética da autora, acompanhadas por haicais, que são, propriamente, a criação. A esse conjunto de fotos e palavras, ela chamou de Estesia, nome que se dá à capacidade de perceber sensações, senti-las.
Estesia sai pela Cepe em versão impressa que será lançada neste domingo (24), às 18h, no estande da editora montado na Praça da Palavra Carolina Maria de Jesus, espaço dedicado à literatura no 30º Festival de Inverno de Garanhuns. A obra já havia sido apresentado em formato e-book, no ano passado, mas, conta Cida Pedrosa, "as pessoas compram muito pouco e-book".
O livro em papel é para que a publicação chegue a mais gente. "Quero que as pessoas sintam e que criem suas próprias poéticas a partir das minhas imagens. Todo poema, para mim, é um texto em aberto: quando uma pessoa tem sua interpretação própria — porque parte de suas vivências e memórias —, ela cria um novo poema, e isso é lindo."
O que está registrado em Estesia foi sentido e criado no início de 2020, no período mais duro da covid-19. À época, Cida Pedrosa lia um livro sobre haicais, porque sempre se interessou pela métrica curta da poesia japonesa, o que a inspirou neste trabalho; também se preparava para disputar a primeira campanha política, para vereadora do Recife, pleito que alcançou, pelo PCdoB; e não imaginava que, meses depois, ganharia o Prêmio Jabuti duas vezes, nas categorias Livro do Ano e Poesia, por Solo para Vialejo (Cepe), seu livro anterior.
Angústia criativa após o Prêmio Jabuti
Pergunto se a premiação colocou algum medo ou pressão para a publicação seguinte. Cida Pedrosa situa que Estesia foi escrito no início de 2020, portanto estava elaborado antes de o Prêmio Jabuti anunciá-la vencedora pelo Solo para Vialejo, o que ocorreu no final de 2020. Ela confessa que, após o prêmio, o fato de já ter escrito um livro depois da obra que foi premiada atenuou certo receio quanto à própria capacidade de escrever. No entanto, a angústia a visitou durante todo 2021, quando tentou criar uma nova obra.
"Mas eu sou muito danada." E, assim, em janeiro deste ano, livrando-se do afligimento, escreveu seu próximo livro em 21 dias. Saiu um longo poema, de 150 páginas, que após burilado por ela e editado pela Cepe será lançado em novembro, intitulado Araras Vermelhas. "É um longo poema sobre a Guerrilha do Araguaia, e é muito doloroso, porque eu estou falando da morte de muitas pessoas que foram executadas pelas forças de repressão entre os anos 72 e 74."
"É um livro onde eu exacerbo mais ainda o que eu experimentei no 'Solo para Vialejo'. Ou seja, vai do texto jornalístico a referências culturais, à literatura metrificada, poesia metrificada, poesia visual, prosa", adianta. "Eu sou muito inventiva: quando eu domino uma técnica, quero exercitar outra. Uma vez me disseram que eu não tenho estilo, mas eu não quero ter um estilo, eu quero escrever, experimentar, me deixar atravessar pelas possibilidades. Eu estou sempre saindo da zona de conforto."
Sua rotina de agora, aliás, é nada confortável. Concilia o mandato de vereadora do Recife com a escrita. Além da nova obra, Araras Vermelhas, ela escreve frequentemente textos, poemas, atendendo a convites. Um deles, um conto, estará num livro dedicado a Caetano Veloso, que a editora José Olympio lançará, em agosto, quando o artista completará 80 anos, sob organização do jornalista e escritor Mateus Baldi. Cada contista escolheu uma música de Caetano e escreveu a partir do impacto da canção. Cida Pedrosa elegeu "Aboio".
"Nao é fácil. O meu plano de vida para 2023 é tentar um equilíbrio para o meu físico e incorporar a estesia como prática diária de vida."