ARTES VISUAIS

Juliana Notari apresenta performance em que anda por um caminho cheio de cacos de vidro

"Symbebekospiral" será feita pela artista nesta quinta-feira (15), no vão do Cais do Sertão, no Bairro do Recife

Romero Rafael
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Romero Rafael
Publicado em 13/09/2022 às 18:07 | Atualizado em 13/09/2022 às 18:44
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Juliana Notari na apresentação da performance "Symbebekos" em 2011 - FOTO: DIVULGAÇÃO
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Juliana Notari vai andar por um caminho feito por 2.500 garrafas em cacos, na performance Symbebekospiral, que ela apresenta, quinta-feira (15), às 19h, no vão livre do Cais do Sertão. A artista não é uma faquir. Ela irá "entre as brechas, criando oportunidade". "Meu objetivo é passar ilesa", conversa. "É um trabalho mais de paciência do que de coragem."

Symbebekospiral é uma versão da performance Symbebekos, que ela criou e apresentou pela primeira vez há 20 anos, quando ainda aluna de artes plásticas da Universidade Federal de Pernambuco. Naquele 2002, Pernambuco sofria uma escalada da violência, e Juliana havia sido assaltada sete vezes — na última delas, uma criança a ameaçou com um caco de vidro junto ao pescoço.

A performance, então, foi gestada no quase gosto de vidro e corte dessa experiência de medo, mas veio à luz como um contragolpe no mesmo medo.

Em verdade, segundo a artista, o medo trincou-se e foi esfarelando até não cortar mais. "A performance é uma metáfora para a vida, sobre você criar oportunidade e ter coragem, não recuar, mas ir adiante. Eu estou, ali, pensando nas estratégias e colocando meu corpo em ação. Um corpo que não é passivo, que deseja e não paralisa, mesmo diante do perigo. Ele vai abrindo caminho, tira os empecilhos da frente."

Juliana Notari já se arriscou por esse percurso quatro vezes — depois do Recife, apresentou-se em Brasília, São Paulo e no Rio de Janeiro. Esta será a quinta vez, algo como uma edição revista e ampliada: nas anteriores, o caminho era linear (agora, em espiral, por isso a mudança no nome, e seis vezes maior) e feito com cacos de (apenas) 500 garrafas (neste, quintuplicou).

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Juliana Notari na apresentação da performance Symbebekos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), em 2011 - DIVULGAÇÃO

"Por mais que eu monte o caminho e tenha feito já algumas vezes, é uma performance que envolve risco e é incontrolável, não há controle da situação", conta ela, que já sofreu uns cortezinhos bobos que nunca a impediram de calçar o sapato e ir comemorar depois. "Não existe experiência sem risco", continua, argumentando que as duas palavras têm até relação etimológica

(De fato: as palavras experiência e perigo possuem o prefixo indo-europeu "per", que significa correr risco. E o conceito aristotélico symbebekos, que ela escolheu como título pela sonoridade, impressionou depois pelo significado: noção de causa acidental.)

Esta edição, Symbebekospiral, é uma experiência que multiplicará os riscos, ao ter de se desviar dos cacos num trajeto aumentado e circular. "Me incomodava muito a coisa do caminho reto, o tempo linear, cronológico. Outras culturas não lidam como a gente lida no Ocidente — e sim com o tempo cíclico da natureza: as coisas começam e têm fim."

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Juliana Notari e equipe quebram 2.500 garrafas para a performance "Symbebekospiral", no Cais do Sertão - DIVULGAÇÃO

O incômodo não é detalhe: Juliana Notari está numa espiral própria, fechando um ciclo. "Estou com 47 anos e sinto que não tenho mais o mesmo vigor, a mesma força, e o trabalho vai mudando. Sou nômade, meu trabalho me leva pra todo lugar, e eu vou atrás dele, mas tem hora que eu quero uma estabilidade. Quero dar aula e outras coisas que eu tenho em mente", ensaia sobre o que, por ora, mais intui do que consegue verbalizar.

Voltar a essa performance que é de percurso, e durante o encerramento de um ciclo, é de um simbolismo agudo. Ela remete à formação da artista e é uma obra que a laureia. "É o trabalho mais potente que eu tenho. Ele é, ao mesmo tempo, simples e complexo, e ser simples é difícil."

DIVA

Obra Diva, de Juliana Notari
Obra Diva, de Juliana Notari - Obra Diva, de Juliana Notari

Talvez você não lembre de Juliana Notari pelo nome ou não conheça Symbebekos, mas deve ter sabido de Diva, a escultura que a artista inaugurou na passagem de 2020 para 2021 na Usina de Arte, parque artístico e botânico localizado na Mata Sul de Pernambuco.

Simples e complexa, Diva é uma vulva ferida pela força do patriarcado nos séculos deste Brasil. A obra, escavada numa propriedade que já moeu cana-de-açúcar, foi compartilhada mundo afora e levantou tanto a turba bolsonarista, que é conservadora e ficou incomodada com a representação anatômica, quanto críticas raciais, por causa dos trabalhadores todos pretos, e de gênero, por associar o feminino à vulva.

O bombardeiro, de direita e esquerda, foi imenso, mas Juliana, conta, só colheu frutos maduros dele. A artista acolheu as críticas — não os xingamento, óbvio — e as discutiu. Hoje, tem sido uma artista que fala não só pela arte, mas pela própria boca. "Em termos de repercussão, eu fui falar no Parlamento Europeu. Tenho feito muitas falas; ganhei um poder de fala dentro das questões acadêmicas e no campo da arte."

O corpo — a vulva ferida, os pés num caminho hostil — é o principal instrumento de trabalho de Juliana Notari. "É nele que se dá tudo: a sexualidade, a morte, as relações entre a humanidade e a animalidade."

"O que percebo que sempre atravessa o corpo na minha obra é a questão da morte e da sexualidade. São temas tabus. A morte e a sexualidade são tão potentes e revolucionárias que a sociedade ocidental precisa criar tabus. E eu tento tirar esses tabus."

Nos tabus, inclusive, reside o medo de viver.

 

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