Gilberto Gil vê Vitão como 'tipo de continuação' do seu trabalho; confira entrevista
'Não tenho mais vontade de explorar coisas novas', disse artista, que ainda falou sobre Governo Lula, nova rotina com a ABL e relação com Pernambuco
Após completar 80 anos, Gilberto Gil acredita que fez tudo o que queria na música. "Não tenho mais vontade de explorar coisas novas, outras facetas. Tenho a impressão de que eu preciso manter um ar conservador ao meu próprio gosto musical. É algo do próprio passar do tempo, da idade, do cansaço. Enfim, dá uma sensação de missão cumprida também. Não tenho que sair por aí com invencionismos novos. Já sou um homem idoso, tenho de me aquietar, né? (risos)".
A fala foi dada para a imprensa durante uma breve coletiva online realizada na noite da quinta-feira (13), antes de um show da turnê Gilberto Gil In Concert no Teatro Pedra do Reino, em João Pessoa (PB). Neste sábado (15) e domingo (16), será a vez do Recife receber o espetáculo, realizado no Teatro Guararapes. Os ingressos esgotaram há meses.
Apesar de manter um "ar conservador", o artista revelou que também escuta novidades, a exemplo do cantor paulista Vitão, de apenas 23 anos.
"Ainda hoje eu estava ouvindo o Vitão, que é um menino novo todo envolvido por essas manifestações mais recentes da música popular e, ao mesmo tempo, muito cioso da tradição brasileira. Fiquei vendo como aquilo é, de uma certa maneira, continuação do meu próprio trabalho. E como aquilo é distante do meu próprio trabalho", continuou o artista.
Ainda sobre a longevidade, Gil admite que trabalhar com música numa idade avançada "era sim um sonho". "Eu dizia que queria morrer batendo num tambor. Eu brigava com essa coisa. Sobre ter uma boa parte da família comigo, compartilhando comigo a vida artística, isso eu não imaginava. Foi um desenrolar da vida. E os desdobramentos naturais, dos interesses de cada um dos filhos e netos é que foi determinando que eles agora dividam palcos e realizações comigo."
No "In Concert", Gilberto Gil é acompanhado pelos seus filhos Bem Gil (violão e guitarra) e José Gil (bateria e percussão) e seus netos João Gil (violão e baixo) e Flor Gil (teclados e vocais). O experiente baterista Marcelo Costa completa a banda.
GOVERNO LULA
Ministro da Cultura do primeiro governo Lula (2003-2006), Gilberto Gil acredita que o trunfo da nova gestão federal na cultura está no simples fato de existir um "interesse com a vida cultural brasileira".
"Isso ajuda no envolvimento direto do governo com a capacidade de articulação no país, com governos estaduais e municipais e as entidades do mundo criativo. Nesse sentido, a gente tem expectativas bem melhores do que tivemos nos últimos anos", disse.
"Quanto a vida cultural do país, ela segue. Existe essa contribuição do poder público, da política pública, mas também existe a política natural do dia a dia das pessoas: desde as festas de aniversário até o Carnaval ou o São João. Nesse sentido, a cultura brasileira é autossustentável. Ela anda sozinha. Mas com uma boa mão de governos para políticas culturais, é possível estabelecer salvaguardas em relação ao patrimônio histórico, por exemplo. Nesse sentido, existem expectativas boas".
ABL
O artista também admite como sua rotina mudou após se tornar imortal da Academia Brasileira de Letras. "São atividades que não estavam na minha vida antes: frequência e convívio com pessoas especiais. Criadores literários, filósofos, poetas, escritores, romancistas… Então, é um convívio com pessoas já idosas, com muita acumulação de vida e com tarefas que, embora não sejam exaustivas, são de acréscimo de responsabilidade que eu não tinha antes", diz.
"Acho que todo esse esforço é recompensado. Outro dia, por exemplo, eu estava conversando com o Evaldo Cabral de Mello, irmão do João Cabral, e ele estava falando do Colégio Marista. Dizia sobre como a escola marcou a família dele, falou de memórias. Têm conversas interessantes. Agora tivemos a chegada do Ruy Castro, grande biografia e cronista. Enfim, velhos e velhas entidades da vida cultural brasileira que dão uma variedade enorme de aspectos atrativos."
PERNAMBUCO
Com forte ligação ao estado de Pernambuco, incluindo aí o clássico Pipoca Moderna (1972), com a Banda de Pífanos de Caruaru, Gil diz que é "baiano, mas muito pernambucano também".
"Há traços de similaridade muito grandes entre Pernambuco, Bahia, Paraíba, Ceará, Rio grande do Norte, Alagoas. Toda essa faixa, são lugares que se tornaram marcantes nessa geografia do Recife. São lugares muito queridos para mim, que fazem parte da minha vida. Sou Nordestino e temos uniões muito nítidas do ponto de vista cultural”.
"A cidade do Recife, especificamente, me lembra o Rio Capibaribe, a literatura brasileira de João Cabral de Melo Neto, entre outras articulações de uma cidade muito afetiva e próxima de mim", finalizou.
O show "In Concert" passou pela Europa em 2021, lotando as plateias de 18 cidades em países como França, Alemanha, Suécia e Portugal.