Na Semana dos Povos Indígenas, o antropólogo, indigenista e documentarista franco-brasileiro Vincent Carelli e a diretora de cinema Tatiana Almeida exibem o longa-metragem "Adeus, Capitão" no Cinema da Fundação/Museu, Zona Norte do Recife, a partir das 18h.
O documentário fecha a trilogia informal que Vincent Carelli dedicou ao povos indígenas brasileiros, ao lado de "Corumbiara" (2000), sobre o massacre desse povo em Rondônia, e "Martírio" (2017), que conta a luta perdida dos guarani-kaiowá para retomar seus territórios, no Mato Grosso do Sul, e foi aplaudido de pé no Janela de Cinema do Recife.
"Adeus, Capitão", teve sua estreia mundial no Festival do Três Continentes de Nantes, na França. Na obra, somos apresentados à vida e legado do "Capitão" Krohokrenhum, líder do povo indígena Gavião (PA). Ele morreu em 2016 e o documentário segue suas filhas e netas que continuam sua história e jornada.
Das guerras entre os "índios valentes" ao contato com o "homem branco", da devastação do contágio ao fim do mundo Gavião, Krohokrenhum encabeça um movimento para reconstruir a memória do seu povo, acompanhado por Vincent Carelli desde as primeiras câmaras em VHS. Concluído após a morte do Capitão, o filme é a devolução póstuma desses registros à comunidade Gavião.
"Adeus, Capitão narra 60 anos da vida de um grande chefe. Ele mesmo narra as guerras do pré-contato entre os povos Gavião, ele narra a hecatombe após contato com o contágio e como ele acreditou que o mundo Gavião tinha se acabado. Até que ele renasceu das cinzas e participamos deste momento, assumiram o território deles no Pará e começaram um processo de reconstrução da memória do seu povo", disse.
"Eu chego com o vídeo, mostro a eles a primeira experiência com essa imagem e quando se veem, descobrem que podem produzir, gravar e assistir imediatamente, entraram numa catarse de produzir lembranças, vivências, refazem uma furação de nariz e de beiço. Mostro isso e era o que o Capitão estava precisando. Filmei os rituais, mas não era com roteiro, era registro de memória, os cantos, as danças, a coreografia, os preparativos, são registros para que as novas gerações aprendam e que fazem o povo Gavião renascer."
Para o cineasta, "Adeus, Capitão" é o exemplo mais completo dos resultados do projeto Vídeo nas Aldeias, criado por ele em 1986. A iniciativa se transformou numa escola de cinema para povos indígenas. Atualmente, existem coletivos de cinema em aldeias de todas as regiões do Brasil.
"O cinema indigena é emergente e está se consolidando. Essa geração que formamos, agora, já forma outras gerações. Pelo sucesso que há dos filmes, por toda a questão indígena, jovens cineastas têm colaborado na formação, buscando parcerias, trabalho em colaboração, com filmes chegando em Cannes, por exemplo", continua Carelli.
"Hoje, ouço curadores afirmando que não é possível fazer um festival de cinema sem contemplar um componente indígena. Lutamos por 40 anos para chegar nisso. É um fenômeno que acontece não só na área de cinema, mas, também, na área de artes plásticas, na área da literatura, os indígenas estão chegando junto e há interesse crescente pelos povos indígenas nessas áreas das artes."
Para Vincent Carelli, o filme (e a própria produção de cinema pelos indígenas) são importantes registros no processo de memória para as novas gerações. "Isso está sendo visto e revisto. E talvez o filme seja longo porque os episódios reconstituem a memória do povo, mas o desenvolvimento do sudeste do Pará não para de atravessar a reserva, a estrada, a linha de transmissão, a ferrovia, vai comendo território. Então, são dois movimentos opostos dentro do filme, como um retrato dos últimos 30 anos da Amazônia."
Com o Ministério dos Povos Indígenas, criado pelo terceiro governo de Lula, o cineasta também espera melhorias na área política. "É simbolicamente revolucionário para o País finalmente ter um ministério dirigido por indígenas, com toda a cadeia de postos sendo substituída na Funai. E a demonstração disso já havia sido dada na posse, uma cerimônia inacreditável de um País que saiu de um governo fascista para uma revolução simbólica. Lula fez de forma muito segura. Tradicionalmente, defender a Amazônia e os indígenas tira votos, mas ele não se intimidou, assumiu a pauta."
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