ENTREVISTA

'São João sustentável' é solução para preservar o forró tradicional, diz pesquisador

Cantautor de forró, professor e pesquisador, Climério de Oliveira Santos conversa com o JC sobre as controvérsias envolvendo o forró tradicional nas programações dos grandes palcos do São João no Nordeste

Emannuel Bento
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Emannuel Bento
Publicado em 06/06/2023 às 0:00 | Atualizado em 06/06/2023 às 10:10
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Climério de Oliveira Santos - FOTO: DIVULGAÇÃO

Climério de Oliveira Santos é cantautor de forró, professor e pesquisador, autor do livro "Forró: A Codificação de Luiz Gonzaga" (Cepe, 2014). Foi um dos responsáveis pela pesquisa que reconheceu o forró como patrimônio cultural do Brasil, realizada pela Associação Respeita Januário, em parceria com o Fórum Nacional do Forró Raiz e sob a supervisão do IPHAN. Atualmente, coordena a pesquisa "Forró Tradicional no Interior de Pernambuco", financiada pelo Funcultura.

Em entrevista ao JC, ele comenta sobre a atual situação do forró tradicional nas programações juninas e aponta para possíveis soluções para um "São João sustentável", em que os "signos da tradição regional não sejam suplantados pela busca incessante de lucros crescentes e da mega espetacularização".

A discussão da perda de espaço do forró para outros gêneros já ocorre há muitos anos. Ela é mais antiga do que imaginamos?

A reclamação de artistas da vertente da música popular nordestina que se posiciona como "forró tradicional" ou "forró de raiz" ou "pé de serra" ante uma "perda de espaços" já vem de muito tempo. Luiz Gonzaga reclamou da perda de espaço do baião para a bossa nova. Jackson do pandeiro o fez em relação ao rock e ao iê-iê-iê. Mas esse tipo de reclamo não é privilégio de forrozeiros tradicionais, pois as disputas ocorrem entre os (e dentro dos) mais diversos gêneros musicais e épocas.

O que poderíamos dizer do contexto atual do São João? Essa realidade tem se acentuado?

Essa ocorrência vem tendo altos e baixos ao longo da história do forró, que entrou na indústria da música através de Luiz Gonzaga e seus parceiros, nos anos 1940. No entanto, atualmente, a grita se acentua exatamente por ocasião das festas juninas, período de maior efervescência do forró. Nenhum músico de forró reclamou quando viu Elba Ramalho cantando no Rock in Rio, pois foi um ganho para a música que canta a regionalidade nordestina. Mas quando Elba foi deslocada da principal noite (23 de junho) para uma noite menos prestigiosa do São João de Campina Grande, ela reclamou e isso virou polêmica em todo o contexto do forró no Nordeste. O mesmo ocorreu com Flávio José na última sexta feira.

Como você tem enxergado a discussão?

Percebe-se que nos dois casos, o reclamo não apontou uma baixa na remuneração, mas sim no prestígio desses artistas, do forró que eles representam. Isso chama fortemente a atenção para os múltiplos significados do forró, que em muito extrapolam os aspectos pecuniário e do entretenimento, embora não os excluam. É preciso compreender o que são as festas juninas e o forró para tomarmos posição ante o que está acontecendo.

O São João de Caruaru, por exemplo, tem destinado o "forró tradicional" para palcos específicos, como o Alto do Moura ou Polo Camarão. O que você acha desse tipo de prática?

O problema não é específico de Caruaru, ocorre em muitas cidades do Nordeste. A criação de polos festivos não é o problema em si. Um dos problemas está na hierarquização dos polos. Há desigualdades na atribuição de valor (status quo/prestígio) e de recursos financeiros destinados a cada polo e a cada artista. Parece até que quanto mais tradicional, menor é o cachê. Esses são sintomas do problema que, se analisarmos, podemos apontar pistas para as soluções. Vamos lá. As festas juninas da região e o forró são edificações identitárias dos nordestinos (e também dos brasileiros), símbolos de pertencimento, mediadores de afetos, de relações; formam um contexto amplo de compartilhamento de ideias, de alimentos simbólicos, de interação social e festiva (cultural); e entre outras coisas mais, formam um ambiente de trocas e de disputas econômicas, sociais e políticas. Há, por assim dizer, uma geopolítica no âmbito do forró e das festas juninas. Mas eu não vejo um crepúsculo dos forrós que professam a tradição/raiz, menos ainda o seu apocalipse. Pelo contrário, vejo que a uma luta reconhecida, a qual está tomando corpo, está se alastrando pelos corações e mentes Brasil e mundo afora.

Indo ao ponto, há uma problemática que envolve as festas juninas, o forró, os empresários, os políticos-gestores e a população nordestina que deseja cultivar um certo “sentido” do forró e das festas juninas de um modo que respalde a regionalidade e alguns dos seus processos identitários. O sentido regional do São João do Nordeste – como apelidamos o conjunto dos festejos juninos – foi histórica e culturalmente construído pela população dessa região. Esse sentido produz a sua “diferença”, o que nos identifica.

Acontece que que o aspecto financeiro – o lucro sobretudo – passou a ser foco de interesse prevalecente. O lucro tem sido proporcional à quantidade de pessoas aglutinadas nos locais destinados aos grandes espetáculos musicais e é distribuído majoritariamente entre empresários (de shows, artistas, hotelaria, comércio, etc.). Essa configuração da festa está alinhada com o empreendedores do capitalismo global, que, apesar dos belos discursos, pouco se preocupam com sustentabilidade, equidade, cidadania ou respeito às diferenças.

Há soluções possíveis?

Sim: mobilização pelo sentido de um São João Sustentável, em que os signos da tradição regional não sejam suplantados pela busca incessante de lucros crescentes e da mega espetacularização que alimenta essa ganância e camufla essa apropriação indevida da festa e a descaracterização do seu sentido comunitário.

Atualmente, também existe uma discussão específica sobre o crescimento do sertanejo, que teria uma atuação "dominante" no mercado de shows. Você acredita que esse gênero em específico seja o maior desafio para manter o forró nas programações?

Devemos atentar para o fato de que muitos dos forrozeiros que representam a tradição, senão quase todos, lutam para manter a sua posição nos palcos centrais, para participar dessa mega espertacularização, o que não ataca o âmago do problema, pois isso não respalda o sentido daquele São João que é um marco identitário nordestino. Obviamente, entre Flávio José e uma dupla sertaneja/grupo de axé/música eletrônica/rock no palco central de uma festa, eu prefiro Flávio José 10X, pois ele se aproxima muito mais do "sentido da festa". Mas, afinal, o nosso desafio não são os grupos de música sertaneja, mas, sim, a nossa mudança de mentalidade. E eu acredito que isso vai ocorrer, não só por fé, mas por ver uma luta que cresce a cada ano e da qual eu faço parte. Um indício desse crescimento foi a mobilização pelo reconhecimento oficial do forró como patrimônio cultural do Brasil, cuja pesquisa foi realizada por nós, da Associação Respeita Januário, em parceria com o Fórum Nacional do Forró Raiz e soba supervisão do IPHAN. Outro indício é que há políticos(as) de peso e empresários(as) no Brasil que estão do nosso lado. E nós vamos sensibilizar outros corajosos. Para tanto, os que querem um São João sustentável precisam entender-se e se unir, o que pode trazer uma virada do jogo. Viva São João! Viva o forró.

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