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'Black Mirror' volta com desafio de superar realidade disruptiva

Sexta temporada da série que foi sensação da década passada aposta na metalinguagem e flerta com o terror, mas não consegue superar as impactantes temporadas iniciais

Emannuel Bento
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Emannuel Bento
Publicado em 22/06/2023 às 0:00 | Atualizado em 22/06/2023 às 10:28
NETFLIX/DIVULGAÇÃO
Aaron Paul protagoniza episódio da sexta temporada de Black Mirror - FOTO: NETFLIX/DIVULGAÇÃO

Após uma merecida pausa de cinco anos, a série "Black Mirror" ganhou uma sexta temporada na Netflix no recente final de semana. Com cinco episódios, a atração que surgiu para examinar e satirizar a sociedade moderna, sobretudo as consequências das novas tecnologias, segue com o desafio de surpreender. Afinal, o mundo atual já não se difere tanto de alguns dos episódios lançados há 10 anos.

A criação de Charlie Brooker trabalha com a proposta de episódios autônomos, que geralmente se passam em um presente alternativo ou em um futuro próximo. "Black Mirror" nasceu no ano de 2011 em uma emissora pública britânica, a Channel 4, com temporadas curtas, ousadas e altamente originais. Quando disponibilizada na Netflix, a série foi aos poucos conquistando um grande contingente de fãs.

Fugindo do tom distópico clichê, a produção soube explorar sagazmente o que poderia acontecer com a inserção de determinadas ferramentas tecnológicas na vida humana, como uma lente que gravava todos os momentos do seu dia ("The Entire History of You", temporada 1), ou satirizando o populismo com um personagem de animação que conquista eleitores ao falar barbaridades em debates de televisão ("The Waldo Moment", temporada 2).

Em 2015, a Netflix comprou os direitos de "Black Mirror" e lançou mais três temporadas, além de um filme interativo em 2018. Naturalmente, a mudança para uma gigante do streaming poderia mudar a abordagem (e isso ocorreu de forma sutil no começo). O problema é que a qualidade caiu substancialmente ao longo dos anos, chegando até a esquecível quinta temporada de 2019.

Justamente por isso a pausa foi "bem merecida". "Black Mirror" agora volta tendo tido mais tempo para novos argumentos e roteiros, além do iminente desafio de superar a nossa realidade. Nos últimos três anos, o mundo viveu uma pandemia que forçou uma imersão ainda maior no digital, assistiu a investimentos no "metaverso" e, agora, discute quais os perigos da Inteligência Artificial para a continuidade da humanidade.

METALINGUAGEM

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"Joan Is Awful" é episódio da sexta temporada de Black Mirror - NETFLIX/REPRODUÇÃO

A sexta temporada acerta quando brinca com a existência de uma plataforma de streaming fictícia, a Streamberry (que usa um logotipo similar ao da Netflix). O aplicativo passa a acompanhar o dia a dia de uma assinante chamada Joan, CEO de uma empresa de tecnologia que precisa anunciar demissões em um determinado dia.

Logo a série "Joan Is Awful" ("A Joan é Péssima") estreia no catálogo, recontando todo o seu cotidiano com atuações exageradas. Mais tarde, ela descobre que tudo é feito com o uso de deep fake e inteligência artificial. Além de imaginar o curioso contexto da vida de uma pessoa comum em uma ficção seriada, o episódio levanta questões como a vigilância das big techs, os perigos dos termos de uso das plataformas e brinca com a metalinguagem.

Ao entender que tudo irá ser contado na série, a protagonista (vivida por Annie Murphy) passa a tomar decisões propositais a fim de interromper a produção do seriado inspirado em sua vida, numa versão bastante pop e palatável de "Black Mirror".

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"Loch Henry" é episódio da sexta temporada de Black Mirror - NETFLIX/REPRODUÇÃO

O segundo episódio também segue nessa linha da "autocrítica" da Netflix, divergindo um pouco da abordagem tecnológica. O casal Davis e Pia, estudantes de cinema, visitam a mãe de Davis, Janet, na cidade rural de Loch Henry (título do episódio). Logo Pia descobre que a história de um serial killer chamado Adair afastou os turistas da cidade nas últimas décadas e responsável pela morte do pai de Davis.

Ela propõe que façam um documentário sobre o caso. Apesar da relutância do namorado, que teve o seu pai assassinado pelo criminoso, eles logo vão descobrindo muito mais do que esperavam. O episódio lança uma necessária reflexão sobre o consumo de true crime, a espetacularização do crime e a "celebrização" dos serial killers por parte da indústria do entretenimento.

Já "Beyond the Sea", com uma hora e vinte minutos, poderia muito bem ser um filme. Os astronautas Cliff (vivido por Aaron Paul, de Breaking Bad) e David vivem numa plataforma no espaço, mas podem acessar à Terra transferindo suas consciências para robôs hiperrealistas. Após uma tragédia com a família de David, Cliff permite que o colega use o seu robô para ter visitas semanais ao planeta. Contudo, logo vai se criando uma espécie de triângulo amoroso.

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"Mazey Day", episódio da sexta temporada de Black Mirror - NETFLIX/DIVULGAÇÃO

Os outros últimos dois episódios flertam com o horror e destoam bastante da proposta original dessa série. Mazey Day é interessante por provocar uma nostalgia dos paparazzis e da cultura de celebridades da década de 2000, provocando discussões sobre o papel da mídia. Já "Demon 79" flerta diretamente com o horror, tocando em questões sociais, como o racismo.

Exceto pelo segundo episódio, a sexta temporada de Black Mirror está distante do impacto e originalidade do começo, mas mostra que ainda rende algum "gás" num mundo que grita para ser satirizado. Em meio a altos e baixos, ainda há ali um pouco do "zeitgeist" que a série carregou na década passada.

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