Ângela Diniz: Feminicídio que marcou a década de 70 vira filme com Isis Valverde
Caso que movimento imprensa no século passado instiga um debate atual sobre violência contra as mulheres; 'Meu desejo é que o filme seja um vetor de mudança', diz atriz
Em 1976, uma socialite mineira foi assinada pelo seu namorado, conhecido como Doca Street. O feminicídio sofrido por Ângela Diniz tomou grandes proporções, especialmente por conta da defesa do assassino alegar "legítima defesa da honra" para justificar o crime.
No século passado, o caso incendiou a imprensa, despertou o movimento feminista, nos últimos anos, e foi conhecido com maior profundida por gerações por conta do podcast "Praia dos Ossos", da Rádio Novelo.
Recentemente, inclusive, o Supremo Tribunal Federal derrubou a tese da "legítima defesa da honra", acendendo novamente o debate sobre o assunto e sobre o feminicídio.
Agora, a trágica e intrigante história de Diniz ganha forma em uma ficção em longa-metragem nos cinemas. O filme "Ângela" é um dos grandes lançamentos nacionais do ano, e já está habilitado para disputar uma indicação à vaga na categoria Melhor Filme Internacional no Oscar 2024.
Quem vive a socialite é Isis Valverde. A direção é de Hugo Prata, responsável pelo premiado filme "Elis" (2016), sobre Elis Regina - que ainda rendeu a série "Elis - Viver é Melhor que Sonhar". O roteiro é de Duda de Almeida ("Sintonia", da Netflix).
Enredo
Juntos, eles optaram por rodar um filme focado nos últimos meses de vida da "Pantera de Minas" (apelido de Ângela) e nas nas consequências de sua conturbada relação amorosa com o empresário Raul (Gabriel Braga Nunes).
Angela e Raul se conhecem se conheceram numa festa da alta sociedade. Na época, ela estava em um relacionamento com Ibrahim Sued (Gustavo Machado), colunista social com forte influência na elite de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Angela e Raul sentem uma forte atração um pelo outro e, o que parecia ser uma simples aventura, se transforma em paixão que leva os dois a largarem tudo para viver juntos. Apesar de Raul se mostrar um homem apaixonado pelo jeito livre e espontâneo de Angela, aos poucos ele se revela opressor, violento e abusivo. Envolta em um ciclo viciosode agressões de todos os tipos, e pedidos de desculpas frequentes, a resposta que teve ao decidir separar-se foi fatal.
O argumento de "legítima defesa de honra" fez com que ele foi condenado a uma pena simbólica de dois anos. Com gritos de "Quem Ama Não Mata”, a morte de Ângela gerou revolta em muitas mulheres no país e revolucionou o movimento feminista do Brasil. Em 1981, um promotor recorreu e Raul foi condenado por homicídio a 15 anos de prisão em regime fechado.
Direção e roteiro
"Depois de lançar 'Elis', senti vontade de fazer uma trilogia de mulheres brasileiras. Após muita pesquisa, acabei escolhendo a Ângela, por tudo que a história dela contém e significa", diz o diretor Hugo Prata. "Contudo, o maior desafio o sempre é o roteiro. A escolha de como será a abordagem para contar essa história."
"Eu busquei entender quem era a Ângela através de relatos de amigas dela. Ela era uma mulher com muitas amigas - e muito amada por elas - divertida, engraçada, tinha um humor ácido, aventureira, verdadeira, franca e muito honesta com os seus próprios desejos", diz a roteirista de Duda de Almeida.
"Quando Hugo me chamou para fazer o fi lme inspirado na história da Ângela Diniz, ele propôs um recorte diferente, uma espécie de peça de teatro dentro do filme. Ele queria mostrar como deve ter sido a vivência de Angela ao lado do Raul, especialmente na casa de praia. Eu vi uma oportunidade de mostrar como uma história de amor pode virar uma história terrível."
Isis como Ângela
Isis Valverde ainda recebeu o convite quando estava gravando a novela "Amor de Mãe", da TV Globo. "A história da Ângela Diniz deve ser contada e lembrada sempre para que possamos mudar as coisas. Como atriz, acredito muito no papel social que meu trabalho desempenha. Falar sobre feminicídio é muito importante, especialmente em um país onde as taxas deste crime são alarmantes".
A atriz teve preparação com Fátima Toledo. "Com as ferramentas que ela me deu, mergulhei muito fundo nos meus sentimentos, no que eu entendo sobre tornar-se mulher, sobre as violências às quais somos submetidas diariamente", diz Valverde.
"Sem contar o trabalho de corpo, porque temos algumas cenas mais físicas no longa. Para contar essa história, não tinha como ser diferente. Tudo isso mexeu muito comigo emocionalmente. Ainda para minha preparação li bastante sobre a Ângela Diniz, sobre como essa mulher era vista, e procurei entender como ela se sentia, se comportava. Ângela Diniz era uma mulher muito livre, dona de si, e temos isso em comum. Se hoje a liberdade feminina incita debates, imagina naquela época."
"Ainda somos vítimas de todos os tipos de violência, as pessoas ainda acham que são donas de nossos corpos, nossas vontades, de nossos desejos. Se nos comportamos de maneira diferente da que é esperada socialmente sempre nos julgam, ou seja, não somos livres para agirmos como quisermos; sempre querem nos colocar em caixinhas pré-determinadas. Isso me moveu muito - com certeza são questões pelas quais ela passou e nós, mulheres, ainda passamos hoje", diz a atriz.
"Meu desejo é que o filme seja um vetor de mudança, que ele propicie debates sobre a violência contra a mulher, e que essa triste realidade mude", finaliza.