MEMÓRIA

Com acervo sem rumo, bonequeiro Fernando Augusto tem obras jogadas no lixo em Olinda

Um ano após a morte do expoente da arte dos mamulengos do Nordeste, preservação da obra já tornou-se um desafio

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Emannuel Bento

Publicado em 08/09/2023 às 17:11 | Atualizado em 13/09/2023 às 13:51
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A morte do mestre bonequeiro Fernando Augusto mal completou um ano, mas a preservação da sua obra já tornou-se um desafio. Um vídeo que mostra bonecos gigantes do artista, um dos principais expoentes da arte dos mamulengos no Nordeste, jogados em uma rua de Olinda circulou pelos aplicativos de mensagens na última semana.

Danusa Melo, sobrinha do artista e responsável por salvaguardar o legado do tio, informa que acionou a Prefeitura de Olinda por conta da situação de deterioração das peças. Em seguida, os bonecos teriam sido jogados fora pela gestão.

A Prefeitura do município, por sua vez, informou que recolheu as obras descartadas irregularmente após a denuncia de moradores. "O material em questão foi encontrado totalmente deteriorado. O mesmo foi recolhido e encaminhado para descarte regular", disse a gestão em nota.

O bonequeiro, encenador, cenógrafo e pesquisador da cultura popular morreu em julho de 2022, após complicações causadas pelo câncer, aos 74 anos.

A sobrinha nega que tenha jogado os bonecos na rua, o que teria sido por um funcionário da Prefeitura. "Essas obras estavam paradas há muito tempo. Nunca ninguém se preocupou. Quando assumi a gestão da obra dele, em 2021, falei com inúmeras pessoas e órgãos, sem sucesso", disse.

De acordo com ela, essas peças estavam guardadas em uma casa no Sítio Histórico, em uma perpendicular entre as ruas Prudente de Moraes e Bonfim, no Carmo. "Eu vivo na iminência de ação judicial, pois esses bonecos estão se deteriorando e incomodando os vizinhos. Eles atraem pragas. As pessoas ainda têm medo que vândalos toquem fogo neles, causando um incêndio geral, pois são altamente inflamáveis."

As obras

JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
Exemplos de bonecos gigantes desenvolvidos pelo artista plástico Fernando Augusto e a equipe do Mamulengo Só Riso desenvolveram, para o Carnaval de 2013 - JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
Exemplos de bonecos gigantes desenvolvidos pelo artista plástico Fernando Augusto e a equipe do Mamulengo Só Riso desenvolveram, para o Carnaval de 2013 - JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
Exemplos de bonecos gigantes desenvolvidos pelo artista plástico Fernando Augusto e a equipe do Mamulengo Só Riso desenvolveram, para o Carnaval de 2013 - JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA
Exemplos de bonecos gigantes desenvolvidos pelo artista plástico Fernando Augusto e a equipe do Mamulengo Só Riso desenvolveram, para o Carnaval de 2013 - JAN RIBEIRO/PREF DE OLINDA

Nascido em 12 de agosto de 1947, Fernando Augusto Gonçalves foi um dos criadores do Grupo Mamulengo Só-Riso, em 1975, ao lado dos atores Nilson de Moura e Luiz Maurício Carvalheira.

Apesar de ter ficado conhecido pelo mamulengo, esse grupo passou a abranger a outras áreas de cultura popular, fazendo projetos de intervenções para áreas externas, setor que ele batizou de "Fábrica de Alegorias Mamulengo Sorriso".

Ao longo dos anos, essa fábrica foi responsável por diversos bonecos gigantes para a decoração do Carnaval de Olinda, além de presépios natalinos. Por muito tempo, essas produções ficaram guardadas dentro de uma propriedade na Av. Sigismundo Gonçalves, onde funcionava a fábrica.

"Após a morte dele, esses bonecos foram se acumulando. São bonecos difíceis de se manter guardados, tanto pelo volume quanto pelo material. O fato de não existir esse local ideal para mantê-los de fato conservados foi o que levou a isso que está no vídeo", explica Edjalma Freitas, que trabalhou como ator e produtor no Só-Riso.

Acervo

HANS VON MANTEUFFEL/DIVULGAÇÃO
OBRA Fernando Augusto foi um dos criadores do Grupo Mamulengo Só-Riso, em 1975 - HANS VON MANTEUFFEL/DIVULGAÇÃO
TADEU LUBAMBO/DIVULGAÇÃO
CULTURA POPULAR Morre o mestre mamulengueiro Fernando Augusto, aos 74 anos - TADEU LUBAMBO/DIVULGAÇÃO

O descarte dessas obras é apenas uma situação extrema de um problema maior: o futuro do rico acervo do artista. Atualmente, o espólio está dividido em três propriedades: a sua antiga residência; o Teatro Mamulengo Só Riso, no Varadouro; e essa terceira casa no Carmo, onde ficam os bonecos gigantes - maior desafio de preservação, por conta da vulnerabilidade do material.

O artista ainda guardava os bonecos de mamulengos autorais, além de obras de outros mestres bonequeiros. Em vida, também criou o Centro de Produção Cultural Museu do Mamulengo - Espaço Tiridá, em 1994. Localizado no Varadouro, no Sítio Histórico de Olinda, o espaço lúdico é habitado pelos mais diferentes bonecos do Estado. O local é gerido pela Prefeitura.

"Meu tio morreu pedindo apoio do governo federal, estadual, municipal, da Empetur, da Fundarpe, para fazer um centro cultural para isso tudo. Eu tenho vídeo dele pedindo a Luciana Santos e ao João Paulo (deputado estadual e ex-prefeito do Recife) para que ele tivesse apoio financeiro para isso", diz Danusa Melo.

A sobrinha explicou que tem a ideia de Teatro Mamulengo Só Riso, que também está sem funcionar, para esse novo centro. "Quando quero apresentar algum projeto, preciso provar a sustentabilidade dele. Mas como irei provar isso, se a cidade está abandonada? Olinda está ficando abandonada", reforça.

"Eu não tenho condições financeiras de bancar o restauro, muito menos de levantar um projeto cultural, um memorial, que justifique manter esses bonecos gigantes do jeito que são. É cada vez mais difícil restaurar. Eu não tenho ajuda de ninguém."

Soluções

A Associação de Teatro de Mamulengos de Pernambuco lamentou o ocorrido. "O que foi discutido é que grande parte desse material de bonecos gigantes foi feita para a Prefeitura. Assim, caberia à Prefeitura criar uma espécie de Museu ou utilizá-lo em pontos estratégicos, para o turismo", disse o presidente da entidade, Gil Pontes.

"É uma lástima que essas figuras tenham sido descartadas, simplesmente jogadas. É uma pena que isso tenha ocorrido sem que a gestão tenha buscado alguma solução, como fazer alguma manutenção. Até onde sabemos, nada foi discutido", diz Izabel Concessa, pesquisadora de mamulengos e professora de teatro da UFPE.

REPRODUÇÃO
Bonecos gigantes de Fernando Augusto descartados em rua de Olinda - REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO
Bonecos gigantes de Fernando Augusto guardados em casa de Olinda - REPRODUÇÃO

"Uma solução seria destiná-las para um local para exposição permanente. Caso não desse para colocar todas, colocasse uma parte, uma amostra, com as mais bonitas. Assim, a população poderia vê-las. Outra sugestão seria fazer a doação de algumas dessas figuras para Pontos de Cultura, principalmente com a retomada do Ministério da Cultura, caso a Prefeitura não tivesse condições de guardar tudo", continua.

A pesquisadora ressalta que a obra de Fernando Augusto faz parte da identidade cultural da cidade de Olinda. "É uma tradição muito antiga. Esse é um acervo maravilhoso, que merece ser preservado. O seu uso artístico seria muito bem-vindo para a cidade", finaliza.

A reportagem questionou a Prefeitura de Olinda sobre o futuro do acervo de Fernando Augusto. No entanto, só teve retorno em relação ao descarte realizado do material deteriorado. Já o Museu do Mamulengo, gerido pela Prefeitura, informou que precisa dialogar com os responsáveis pelo acervo para dar qualquer retorno.

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