LITERATURA

Sidney Rocha reflete sobre o esquecimento em novo romance: 'Um romancista deve se interessar pela natureza humana'

"O Inferno das Repetições" é o sexto romance do premiado autor, sendo o primeiro livro desse gênero após a trilogia "Cromane"; lançamento ocorre no Museu do Estado de Pernambuco nesta terça-feira, às 19h

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Emannuel Bento

Publicado em 09/10/2023 às 19:57
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O escritor Sidney Rocha, vencedor dos prêmios literários Jabuti, Osman Lins e Guerra Junqueiro de Lusofonia (Portugal), passeia pela natureza humana do esquecimento em "O Inferno das Repetições" (Iluminuras, 230 páginas), o seu sexto romance e primeiro livro desse gênero após a trilogia "Cromane". O lançamento ocorre no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), nesta terça-feira (10), a partir das 19h.

Aqui, "Esquecimento" diz respeito a um processo de perda de memória ou sinal de enfermidade psiquiátrica (que se aproximam de uma "demência") precoce do narrador-protagonista, Omar. Mais uma vez, o escritor mantém um tom provocativo e se afasta do trivial, optando por contar o enredo de modo particular e original.

Ao JC, Rocha se distancia do "esquecimento" enquanto tema a ser pesquisado, como uma tese. "Um romance não busca provar nada, nem quer encontrar verdades. Disso tratam os filósofos. Um romancista deve se interessar pela natureza humana, de modo investigativo, também, mas não como um dissecador vulgar", diz o escritor.

No romance, divido em duas partes, Rocha escreve sobre as paisagens interiores de pessoas como Violeta, Natan e Martin, além protagonista Omar.

"Por se tratar de um homem que perde a memória precocemente, este é um dos pontos que terminam por chamar a atenção. Mas muito mais por conta da forma como age minha imaginação (toda memória é um tipo de realidade imaginada) em busca da imaginação do leitor e pela forma como decidi contar essa tragicomédia", diz, sobre o enredo.

"O fato de crescerem os casos de transtornos da memória, da cognição, de distorções, disso que se convencionou recentemente de tratar por 'narrativas', em um mundo sempre repetitivo, talvez constitua parte da trama. Mas cada drama de cada personagem desse romance é fruto dos próprios infernos."

Infernos

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Capa de O Inferno das Repetições, de Sidney Rocha - DIVULGAÇÃO

Recentemente, na internet, Sidney Rocha passou a falar das várias obras literárias onde o inferno aparece. Esse inferno, no entanto, seria particular de cada um, "intrasferível". Esse pensamento norteou a produção do livro.

"O desgraçado Omar, por exemplo, é um homem que deseja muito. Aliás, como Violeta, Martin, Melissa, e nós mesmos, eles e nós estamos doentes de desejo. Desejamos demais. E a vida não é suficiente para tanto. A biologia nos trai o tempo todo, para ficar nisso, nessas nossas fragilidades mais simples".

"Escrever esse romance não foi mais fácil nem mais difícil. Com o tempo, para um escritor com uma trajetória de quatro décadas, que é o meu caso, fica sempre mais difícil. Mas não porque se me escape a técnica. Tem a ver com a visão de mundo, o quanto a isso que chamamos de esperança. Ou como está escrito às portas de certo lugar descrito por Dante: 'Deixai toda a esperança, Vós que entrais!'", diz.

Linguagem

"O Inferno das Repetições" dá inicio a uma novo projeto literário do autor, após a "Fernanflor" (2015), "A estética da indiferença" (2018) e "Flashes" (2020). Ele costuma dizer que esses trabalhos formam uma obra única, embora com leituras distintas e independentes.

Agora, o artista busca o novo priorizando uma linguagem que se aproxime da emoção, após entender fragilidades humanas, estar perto de questões políticas e urgentes. Isso tudo aparece, de alguma forma, no personagem Omar.

"Escrevo sobre e sob certa atmosfera, me agrada a ideia de construir lugares e ver ali começar a se moverem os primeiros homens, mulheres, e suas máscaras. Acho que mais que personagens, o grande argumento para mim é a linguagem, a linguagem à serviço da emoção, a emoção a serviço da narrativa, ainda", diz.

"Este é um livro bem diferente quanto a isso. Alguns consideram-no diferente, aberto, quase solar, e ainda o vejo de forma distinta e incompleta. Então escrever outro livro e mais outro nesse sentido e direção é tentar melhorar, sempre, e buscar escrever outro ainda melhor. Só isso realiza um escritor."

Esquecimentos

LEOPOLDO CONRADO NUNES
Escritor Sidney Rocha lança 'O Inferno das Repetições' - LEOPOLDO CONRADO NUNES

"O Inferno das Repetições" é destaque no suplemento Pernambuco, da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), do mês de outubro. A edição traz análises do crítico literário Cristhiano Aguiar e do psiquiatra e psicanalista Suzana Boxwell sobre a obra.

Boxwell, em seu texto, chega a falar que o livro trata de "silêncios na América Latina", sugerindo que a enfermidade poderia abordar também outros tipos de esquecimento, como a memória social ou histórica.

"Acho que se formos à análise encontraremos vários silêncios pessoais e coletivos para chafurdar. A psicanálise faz isso muito bem isso, a práxis do chafurdo. Esses silenciamentos são parte do nosso castigo", comenta Rocha.

"Quando escapa a palavra. Veja lá o que ocorre com Omar, com Marin, com Natan... é sobre isso. Não é sobre análise. É sobre um grau terrível de lucidez. A literatura, porque mais profunda que a psicanálise, parte de sinais invertidos e chega sempre à mesma conclusão. Não há saída. Não há saída. Não há. Talvez essa verdade repetida, como os slogans da política, posso se transformar na mentira que necessitamos ouvir", finaliza.

Sidney Rocha foi vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2011, pelo livro de contos "O Destino das Metáforas". Também integrou o júri de concursos literários como Jabuti, Prêmio Oceanos, Prêmio Sesc Nacional e muitos outros. Em 2022, recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFPE. Também é autor de outros títulos, de contos, vários também publicados pela Iluminuras.

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