CINEMA

‘Assassinos da Lua das Flores’: Épico de Scorsese lança luz nas raízes dos EUA

Com Leonardo DiCaprio, Robert De Niro e grande atuação de Lily Gladstone, longa investigativo mostra como o homem branco tentou dizimar povo nativo de dentro para fora

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Emannuel Bento

Publicado em 18/10/2023 às 15:42
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Um dos cânones de Hollywood, Martin Scorsese causa frisson com qualquer estreia. Dessa vez, não faltam motivos para que isso ocorra - para além da grife de sua assinatura. "Assassinos da Lua das Flores" resgata elementos tradicionais do diretor, mas com uma abordagem singular e tocante sobre o desprezo pela vida dos nativos norte-americanos.

A estreia ocorre nesta quinta-feira (19), antes da disponibilização no Apple+, que bancou 200 milhões de dólares para a produção.

Scorsese já explorou a violência e o crime em diversas obras essenciais do cinema, como "Taxi Drive" (1976), "Goodfellas" (1990) ou "Gangues de Nova York" (2002). Agora, não existe nenhum tom de romantização ou celebração no disparo de tiros. A violência é direta, rápida e angustiante neste épico de quase 3 horas e meia.

Para contar a história, Martin recorre a parceiros de longas datas: Leonardo DiCaprio, que já estrelou muitos  filmes do diretor, e Robert De Niro, que esteve em "Taxi Driver". Contudo, quem rouba a cena mesmo é Lily Gladstone ('Certas Mulheres').

História

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Assassinos da Lua das Flores é o novo filme de Martin Scorsese - STILL
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Assassinos da Lua das Flores é o novo filme de Martin Scorsese - STILL

O filme é baseado no livro "Assassinos da lua das flores: Petróleo, morte e a origem do FBI", de David Grann, que conta a saga de violência que vitimou o povo Osage em Oklahoma, nos Estados Unidos. Essa população nativa americana descobriu petróleo em suas terras e rapidamente ascendeu socialmente, criando um curioso caso de indígenas milionários.

Vivendo em uma sociedade que mais os tolera do que os aceita, os Osage logo são cercados de brancos que desejam oportunidades de emprego, crescimento e, sobretudo, vantagens na fortuna proveniente do "ouro negro".

É nesse contexto, durante a década de 1920, que surge no povoado o branco Ernest Burkhart (DiCaprio), recém-chegado das trincheiras da 1ª Guerra Mundial para procurar trabalho com a ajuda de seu tio, William Hale (Robert De Niro).

À primeira vista, Hale soa como um simpático idoso que detém o respeito dos líderes do povoado por ter ajudado a erguer a comunidade após o dinheiro do petróleo. O desenvolvimento de Scorsese vai mostrando, no entanto, que nada é o que parece ser.

Ganância

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Assassinos da Lua das Flores é o novo filme de Martin Scorsese - STILL
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Assassinos da Lua das Flores é o novo filme de Martin Scorsese - STILL

"Assassinos da Lua das Flores" cria uma narrativa em que os homens brancos vão cerceando os Osage, destruindo esse povo de dentro para fora, aos poucos. Em uma interessante cena, uma matriarca idosa condena as filhas pois "todas se casaram com homens brancos e estamos ficando brancos também".

Não é diferente do caso de Mollie, coadjuvante interpretada por Lily Gladstone, que logo casa e tem filhos com o personagem de DiCaprio. Afirmar que ela é "coadjuvante" pode ser uma mera formalidade, pois é Gladstone que rouba a cena, dá carga dramática e deve brilhar nas premiações da próxima temporada.

A atriz traz uma personagem simultaneamente forte e suave, com certa profundidade que remete à própria mística que envolve as tradições dos povos originários. As suas falas transitam entre o inglês e o idioma osange com naturalidade. Com todos esses atributos, a atriz rapidamente cativa o espectador.

 

Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, grande parte do filme se concentra nesse desenvolvimento do relacionamento. Ernest se casa com Mollie por recomendação do tio, que aconselha o sobrinho a pensar no dinheiro que a nativa, que não deve viver muito pela diabetes, deixará.

Ao mesmo tempo, o espectador pode se questionar se Ernest é totalmente mal intencionado nesse relacionamento. Essa dúvida norteia parte do filme, ao mesmo tempo em que o velho William Hale vai se mostrando um vilão complexo, que simula compaixão enquanto trabalha arduamente pelo sumiço dos indígenas.

Por isso, De Niro é uma outra grande atuação do longa. DiCaprio também está bem, mas talvez a própria natureza do personagem (um homem comum que serve de marionete para as intenções do tio) o deixa atrás.

Raízes

Se na descoberta da América, os povos nativos foram dizimados em chacinas, agora o homem branco precisa simular algum entrosamento para chegar à riqueza desejada. Assim, "Assassinos da Lua das Flores" acaba tratando das raízes dos Estados Unidos da América. Raízes essas que o país, como tantas outras terras colonizadas, procura não ver.

A dizimação das tradições não fica apenas no "embranquecimento" da miscigenação. Tiros à queima roupa, envenenamentos e depressão são outros artifícios usados pelos capangas de Hale.

O gancho da investigação ocupa a última hora do filme e, por incrível que pareça, acaba sendo a parte mais maçante do longa. O longa não chega a citar que o Departamento de Investigação Federal dos Estados Unidos trata-se do futuro FBI, que nasceu após esse caso.

Os últimos momentos rendem ótimas atuações, sobretudo por parte de DiCaprio, com um desfecho bastante criativo. A longa duração pode dividir opiniões, mas, em tempos que o cinema blockbuster soa tão pasteurizado (o que já foi alvo de crítica do próprio Scorsese), um filme original e com identidade deve ser apreciado em seus detalhes. "Assassinos da Lua das Flores" é um cinema de qualidade.

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