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Quais os lugares de memória da escravidão e da cultura negra em Pernambuco? Livro percorre espaços

"Lugares de memória da escravidão e da cultura negra em Pernambuco", organizado por Isabel Cristina Martins Guillen e lançado na Cepe, reúne textos de pesquisadores acadêmicos que buscam desfazer esse esquecimento sobre a história

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Emannuel Bento

Publicado em 29/11/2023 às 14:44 | Atualizado em 29/11/2023 às 14:46
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No Recife, a Rua do Bom Jesus serviu para quarentena e venda de escravizados; o Pátio do Carmo foi onde a cabeça Zumbi dos Palmares teria sido exposta após assassinado; e o Pátio do Terço abrigou terreiros e agremiações feitas por negros e onde acontece a Noite dos Tambores Silenciosos.

Esses exemplos mostram como a história da cidade está mergulhada nas dinâmicas do sistema escravista. A capital foi o quinto maior centro do tráfico de seres humanos do mundo e chegou a ter 10% de sua população na condição cativa (década de 1880). Apesar desse histórico, a cidade e a sua região metropolitana observam um esquecimento dessas memórias.

Entre outros motivos, a queima de arquivos da escravidão após abolição, por ordem ministerial, criou diversos desafios para o conhecimento desses aspectos. No mês da Consciência Negra, que evidencia a importância debate sobre a luta do povo negro contra a opressão, a Cepe Editora lança o livro "Lugares de memória da escravidão e da cultura negra em Pernambuco", organizado pela historiadora Isabel Cristina Martins Guillen.

Livro

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Capa de 'Lugares de memoria da escravidão e da cultura negra em Pernambuco', da Cepe - CEPE/DIVULGAÇÃO

A publicação reúne textos de pesquisadores acadêmicos que buscam desfazer esse esquecimento sobre a história da escravidão e das resistências nos espaços públicos do Estado.

O livro percorre bairros e cidades, pontuando a importância histórica de lugares de encontros e de resistências da cultura negra, suas manifestações artísticas, religiosas, personagens e movimentos contextualizando o papel decisivo na formação da sociedade e na construção de identidades.

O lançamento, aberto ao público, será realizado quinta-feira (30), a partir das 18h, no Centro da Cultura Afro-Brasileira, instalado na casa de número 34, do Pátio de São Pedro. O evento contará com bate-papo reunindo os autores e apresentação cultural da Banda Abê Adu Lofé, formada por músicos afrodescendentes e quilombolas.

Pós-abolição

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Edifício da Alfândega, no Recife - CEPE/DIVULGAÇÃO

Apesar de ter um amplo arco de análise, a obra foca, em especial, o pós-Abolição, momento em que houve a queima dos arquivos da escravidão.

"O pós-Abolição se constitui num longo período em que o trauma (da escravidão) foi sendo tratado, muitas vezes de maneira enviesada, de acordo com os ditames da época, pautadas sobretudo pelas teorias raciais que inferiorizam os afrodescendentes e pelo ideal de branqueamento da população brasileira", indica Isabel Guillen.

"Caminhando pelas ruas do Recife, lembramos que a cidade foi palco de mais de 300 anos de escravidão. Esta observação, naturalmente, se estende às cidades de Olinda, Paulista, Jaboatão dos Guararapes e Igarassu", afirma a organizadora.

"Onde estão as marcas dessa história nas cidades? Podemos procurar os lugares que lembram esse período, mas não encontraremos com facilidade. Parece que a história da escravidão e da cultura considerada negra, herança da diáspora, permanece invisibilizada na cidade.

Ensino

O livro aponta ainda para desafios que se apresentam, como, por exemplo, na educação. Passados 15 anos da implementação da obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África e dos afrodescendentes, a temática, como pontua a historiadora Rosely de Souza, não vem sendo atualizada nas salas de aulas de escolas do Recife e região.

"Precisamos refletir sobre o que, de fato, consolida-se na formação desses estudantes quando tratamos do tema escravidão e quais foram as proporções desse acontecimento na cidade em que vivem. Infelizmente, poucos conseguem caminhar pela cidade do Recife e estabelecer um sentido entre os lugares que transitam e a escravidão", assegura.

Temáticas

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Mercado da Ribeira, em Olinda - CEPE/DIVULGAÇÃO

Fruto de um projeto aprovado pelo Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), o livro conta com ensaios assinados por Marcus Joaquim Maciel de Carvalho ("O tráfico de escravos depois de 1831: história e esquecimento no Nordeste insurgente"); Ezequiel David do Amaral Canário ("A escravidão e seus espaços no Recife oitocentista") e Robson Pedrosa Costa ("Escravidão e lugares de memória negra em Olinda”).

Ainda estão presentes nome como Marcelo Mac Cord ("Irmandades negras em Pernambuco"); Gabriel Navarro de Barros ("Entre ruas e praças, o Teatro de Santa Isabel e a Faculdade de Direito: lugares de memória do abolicionismo e de lutas judiciais por liberdade no Recife"); Janine Primo Carvalho Meneses ("Quilombro, passado presente") e Ivaldo Marciano de França Lima ("Sambistas, maracatuzeiros e afoxezeiros: entre as memórias e a história, lugares de memória de homens e mulheres que fazem o Carnaval do Recife").

Colaboram também Raphael Souza Lima ("Àgò Iónà: uma breve história dos xangozeiros do Recife"); Rosely Tavares de Souza ("O lugar de memória da escravidão no Recife e os desafios para a implementação da Lei nº 10.639/2003 na Educação Básica") e de Isabel Cristina Martins Guillen ("O debate sobre a memória da escravidão e do tráfico atlântico de africanos escravizados: lugares de memória na Região Metropolitana do Recife").

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