Morre o pintor José Cláudio, representante do modernismo pernambucano, aos 91 anos
Conhecido por pinturas figurativas que fugiam do pitoresco, artista foi um dos fundadores do Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife ao lado de Abelardo da Hora, Samico e Virgolino
O artista plástico pernambucano José Cláudio, morreu nesta terça-feira (12), aos 91 anos. Ele faleceu após uma parada cardíaca.
O pintor, desenhista, gravador, escultor, crítico de arte e escritor passou mal no último final de semana e foi internado em um hospital do Recife para colocação de um stent em uma das artérias do coração para desobstrução. Porém, a conclusão não foi possível e o artista veio a sofrer uma parada cardíaca.
Trajetória
Natural de Ipojuca, no Litoral Sul, José Cláudio foi um dos fundadores do Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), ao lado de Abelardo da Hora (1924-2014), Gilvan Samico (1928-2013) e Wellington Virgolino (1929-1988).
Em Salvador, foi orientado por nomes como Mario Cravo Júnior (1923), Carybé (1911-1997) e Jenner Augusto (1924-2003). Em São Paulo, a partir de 1955, trabalha com Di Cavalcanti (1897-1976), estudando também gravura na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP).
Em 1957, recebe uma bolsa de estudos para estudar em em Roma, na Academia de Belas Artes. De volta ao Brasil, passa a residir em Olinda e escreve artigos sobre artes plásticas para o Diário da Noite, do Recife.
Estilo
Nessa fase inicial, José Cláudio já ficou conhecido por realizar pinturas de caráter figurativo (que marcam o modernismo pernambucan), retratando cenas regionais e paisagens do Nordeste. Apesar disso, ele evitava o caráter pitoresco, a exemplo de "Pátio do Mercado" (1972) e "Rua Leão Coroado" (1973).
Em "Casa Vermelha de Olinda" (1973), Zé Cláudio realiza um diálogo com a abstração e o colorido intenso. Em outras obras, ainda é possível observar a sua admiração pela escola expressionista, com influênica da Escola de Paris.
Em 1980, José Cláudio cria uma série de telas nas quais reinterpreta o quadro "O Repouso do Modelo", do pintor ituano Almeida Júnior (1850-1899). A partir dos anos 1980, também pinta paisagens ao ar livre, como Ipojuca e Serrambi, empregando pinceladas largas e enérgicas.
Modernismo
José Cláudio é um dos personagens do livro "Pernambuco Modernista" (Cepe). Bruno Albertim, o autor, conta nele que o pintor, segundo Francisco Brennand, era o melhor cronista visual da luz pernambucana.
"Uma vez, quando eu estava o entrevistando para o livro, ele me disse que todo mundo de certa forma, no século 20, pinta com a mão de Picasso. E Zé Cláudio foi uma espécie de Picasso pernambucano, porque ele pinta em vários estilos, com várias técnicas da pintura moderna, sempre trazendo uma assinatura pessoal", diz o jornalista e crítico de arte Bruno Albertim.
"Ele me disse outra vez que não acreditava que poderia existir pintura regional ou regionalista, porque pintura não é produto agrícola. Muito tempo depois, Brennand, muito amigo dele, me disse que ninguém capturou tão bem a gente, as cores, as festas, enfim, o povo do recife, Olinda e Pernambuco como Zé Cláudio. Ele é essa luz fundamental, um homem brilhante, um cronista genial, um homem de muitas facetas, de humor infantil até o fim da vida."
O livro derivou a mostra "Semprenunca Fomos Modernos", realizada no Museu do Estado e tem obra de Zé Cláudio — "Feira de Cabrobó". Os curadores, Albertim, Maria do Carmo Nino e Maria Eduarda Marques, reuniram 109 trabalhos.
Em agosto de 2022, o artista celebrou o aniversário de 90 anos através da exposição "Primeiro a fome, depois a lua" na Galeria do Marco Zero, em Boa Viagem, no Recife.
Escrita
O artista plástico também se destacou na seara da escrita. Ao longo de sua carreira, escreveu diversos textos de apresentações para exposições de pintores nordestinos, como no caso da mostra Oficina Pernambucana (1967).
Publica, entre outros, o livro Memória do Ateliê Coletivo (1978), no qual reúne depoimentos dos vários artistas que integram o grupo.
Em 1975, também participa de expedição à Amazônia, promovida pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ/USP), registrando em vários desenhos a óleo diversos aspectos regionais.
Nota de pesar
Em nota, a Secretaria de Cultura e a Fundação de Cultura Cidade do Recife lamentaram a morte de um "artista plástico de primeira grandeza, que devotou todas as cores de sua sensibilidade para retratar o Nordeste em toda a sua beleza e abundância."
"Artista de nascença, chegou a estudar em São Paulo e até na Itália, para aprimorar suas técnicas. Mas sempre voltava para Pernambuco, onde sua emoção sempre fez morada. Trabalhador incansável, pintou até o fim da vida. E chegou a fazer uma exposição no ano passado, aos 90 anos de idade. Deixou eternizada e muito bem apresentada toda a beleza que morava em seu olhar."
A Secult-PE e a Fundarpe também lamentam o falecimento, ressaltando que o artista "deixa um legado de produções experimentais e figurativas de cenas e paisagens nordestinas".
"José Cláudio era um artista singular, que retratou com maestria a vida cotidiana popular do nordestino, a lavadeira, o barbeiro, as meninas na janela, a festa na frente do Mercado São José, no Recife, a cozinheira, o carnaval e as praias. Na sua arte, sempre esteve presente o colorido otimista de nossa terra. Sem dúvidas, seus 91 anos de vida, muitos desses dedicados à arte, deixa uma herança de imenso valor para nosso estado e povo", destacou Cacau de Paula, Secretária de Cultura de Pernambuco.