MÚSICA

'O Rec-Beat é um espaço não linear, repleto de frescor e surpresas', diz diretor do festival após título de patrimônio cultural

Criado há quase 30 anos por Antonio Gutierrez, evento recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial pela Câmara do Recife: 'Sempre trabalhamos para conseguir colocar o festival nesse nível', diz produtor

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Emannuel Bento

Publicado em 21/12/2023 às 0:00 | Atualizado em 21/12/2023 às 9:53
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O Festival Rec-Beat, realizado há quase 30 anos durante o Carnaval do Recife, tornou-se um dos poucos do país a deter o título de Patrimônio Cultural Imaterial. Aprovado na Câmara Municipal, o projeto de lei foi uma iniciativa da vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), sendo sancionado pelo prefeito João Campos (PSB) no último dia 16 de dezembro.

"Dá um orgulho enorme ter um reconhecimento desse nível, após quase 30 anos de existência. São raros os festivais do Brasil com essa qualificação. Então, é uma satisfação receber esse título, pois sempre trabalhamos duro para conseguir colocar e manter o festival nesse patamar que alcançamos", diz Antonio Gutierrez, o "Gutie", fundador e diretor da Rec-Beat Produções Artísticas.

"O título também ganha uma dimensão maior por ser uma proposta de Cida Pedrosa, que é uma artista, poeta, uma pessoa incrível, sensível a todas as demandas culturais e sociais. Só poderia ter partido dela essa iniciativa de reconhecimento do Rec-Beat, não haveria outra pessoa que pudesse fazer isso com tanta legitimidade”, complementa.

VICTOR JUCÁ/DIVULGAÇÃO
Antonio Gutierrez, o "Gutie", fundador e diretor da Rec-Beat Produções Artísticas. - VICTOR JUCÁ/DIVULGAÇÃO

O evento, atualmente realizado no Cais da Alfândega, já foi palco de shows memoráveis de pernambucanos como Johnny Hooker, Banda Eddie, Naná Vasconcelos, Cordel do Fogo Encantado, Lenine, além de nomes nacionais como Emicida, Liniker, Pabllo Vittar, Céu e Criolo, incluindo ainda interessantes expoentes internacionais.

Origens

O título vem como reconhecimento de uma história que começou em 1995, ainda no Centro de Cultura Luiz Freire, em Olinda, com a proposta de movimentar o período noturno do carnaval, festa com tradição mais diurna na Cidade Alta.

"Eu percebi que Olinda tinha um carnaval muito diurno e faltava alguma coisa para as pessoas de noite. Ao mesmo tempo, existiam umas bandas da cena que podiam atender a esse pessoal. Foi quando lancei o festival no Luiz Freire, da forma como a gente conhece", diz Gutierrez, que é testemunha ocular e agente ativo da efervescência do manguebeat.

Antes, em 1993, produtor já havia realizado a festa Projeto Rec-Beat, no antigo Francis Drinks, localizado no prédio do atual Callidus, na boêmia Avenida Rio Branco.

Ampliação

VICTPR JUCÁ/DIVULGAÇÃO
Pabllo Vittar no Rec-Beat 2019 - VICTPR JUCÁ/DIVULGAÇÃO
JOSÉ BRITTO/DIVULGAÇÃO
Emicida no Rec-Beat 2020 - JOSÉ BRITTO/DIVULGAÇÃO

Em um contexto de resgate e movimentação do Bairro do Recife, o Rec-Beat recebeu um convite da Secretaria de Cultura da capital para ocupar a Rua da Moeda. Vale ressaltar que, na época, o atual modelo de carnaval multicultural, com palcos espalhados pelo Centro do Recife, ainda não estava consolidado.

Depois, o festival chegou ao Cais da Alfândega, onde permanece até hoje.

"A ideia inicial de programar a cena local foi sendo ampliada para outras cenas de todas as regiões. Também criamos um olhar mais internacional, para a América Latina e África. Fomos ampliando o nosso olhar e as fronteiras", diz o produtor.

"A cena do Pará, por exemplo, sempre esteve muito presente. Gaby Amarantos fez sua grande estreia no palco do Rec-Beat. A cena da Bahia também se destaca, de onde trouxemos atrações como Àttooxxá e Baiana System bem no início de suas carreiras. Mapeamos o que acontece no Brasil, nos aproximando também do que ocorre nos países que possuem vínculos históricos com o Brasil."

Olhar periférico

KELVIN ANDRAD/DIVULGAÇÃO
Mc Tocha no Rec-Beat 2018 - KELVIN ANDRAD/DIVULGAÇÃO

Em 2018, o Rec-Beat tornou-se o primeiro palco gratuito do Carnaval do Recife a abraçar um brega-funk com um show do MC Tocha - a inclusão desse ritmo na festa sempre foi uma espécie de dilema para a política cultural. Em 2019, foi a vez da dupla Shevchenko e Elloco, seguida por Rayssa Dias, em 2020.

"Ao olhar bem, existe um olhar periférico desde o início. O manguebeat tem esse pé no movimento periférico", diz o diretor. "Se você olhar para a Colômbia, Perú ou países da África, as produções vivem à margem, não em um centro global".

Gratuidade

Para Antonio Gutierrez, um grande diferencial do Rec-Beat é a sua gratuidade.

"Com essa característica, de festival conceitual e ainda gratuito, existem pouquíssimos eventos no Brasil. Aqui, tinha o MIMO Olinda, que deixou de acontecer. Não é nada fácil manter de forma gratuita um festival de grande porte”.

"A gratuidade tem um aspecto de inclusão muito importante porque permite que pessoas que não têm recursos para frequentar festivais pagos acessem uma programação que não estaria disponível de graça se não fosse pelo Rec-Beat. Percebo, ao longo dos anos, o potencial do festival em impactar as pessoas, que se surpreendem com atrações não-óbvias, com propostas artísticas só possível de ser vistas ali, no palco do Rec-Beat".

Por outro lado, a gratuidade também tem criado um contexto desafiador para a viabilização financeira. Apesar do reconhecimento alcançado, inclusive com respaldo internacional, o evento precisa driblar obstáculos para acontecer anualmente.

Para isso, o Rec-Beat chega a contar com articulações fora do país. Em 2023, por exemplo, o festival trouxe artistas de países como Mali, Burkina Faso, Congo, Paraguai e Reino Unido. "Quem quer viver experiências para além do óbvio, tem que ir pro Rec-Beat. É um espaço não linear, repleto de frescor e surpresas. E é assim que continuará sendo”, finaliza.

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