MUSEUS

Como o Paço do Frevo se tornou o museu público mais visitado do Recife

Único equipamento cultural gerido com base na Lei de Organização Social, numa parceria com o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), Paço do Frevo quer crescer "extra muros"

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Emannuel Bento

Publicado em 08/01/2024 às 17:22 | Atualizado em 09/01/2024 às 17:32
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O museu Paço do Frevo, instalado na antiga sede da Western Telegraph Company Limited, no Bairro do Recife, completa 10 anos de funcionamento no próximo 9 de fevereiro. Esse foi o museu público mais visitado da capital pernambucana em 2023, com mais de 150 mil visitantes - um recorde para a instituição.

Coincidentemente ou não, esse é o único museu da capital que funciona com gestão baseada na Lei de Organização Social (Lei nº 9637/1998). Nesse modelo, uma pessoa jurídica de direito privado, qualificada e sem fins lucrativos, irá executar, em parceria com o poder público, atividades voltadas ao ensino, pesquisa, tecnologia ou cultura.

No caso do Paço do Frevo, a organização responsável é o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), presidido por Ricardo Piquet, também responsável pela gestão do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e o Museu das Favelas, em São Paulo. No Recife, o IDG está indo para o terceiro contrato com a Prefeitura na gestão do Paço.

Começo e atividades

Em visita ao JC, Ricardo Piquet e Luciana Félix, diretora do Paço do Frevo e do IDG em Pernambuco, fizeram um balanço sobre os 10 anos, sugerindo que o modelo de Organização Social (OS) poderia ser mais aproveitado no Estado. A ideia para o Paço do Frevo em seu atual desenho ganhou força depois que a manifestação se tornou um patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco, em 2012.

HUGO MUNIZ
Paço do Frevo - HUGO MUNIZ
ANDERSON STEVENS/DIVULGAÇÃO
CULTURA Paço do Frevo fica localizado no Bairro do Recife, no Centro da capital pernambucana - ANDERSON STEVENS/DIVULGAÇÃO
Clélio Tomaz
Paço do Frevo - Clélio Tomaz

"A Prefeitura já tinha o projeto e vimos nele todos os elementos que poderiam compor esse compromisso. O Paço se consolidou como um espaço para preservar um patrimônio que é dança, música e indumentárias, partindo do princípio de que se patrimônio não for consumido, não será celebrado ou preservado", diz Piquet.

"Procuramos nos consolidar como centro de salvaguarda do frevo. Temos espaço para exposição de longa duração, com recente atualização nessa área, e de curta duração, a exemplo das mostras de Lia de Itamaracá e do Galo da Madrugada. Também somos escola, temos uma área de documentação e uma programação muito ativa", diz Félix.

"Mensalmente, realizamos a Hora do Frevo, com apresentações instrumentais diferenciadas, além do Arrastão do Frevo, que vai para fora do equipamento e dá uma volta no Bairro do Recife."

Gestão

Apesar do Paço ser inovador no Recife pela gestão de "OS", esse mesmo modelo é utilizado por 90% dos equipamentos culturais da cidade de São Paulo, conforme os gestores exemplificam.

"Não é um modelo difícil, sobretudo para fiscalização. Não é como uma privatização, como alguns pensam, pois somos contratados pelo poder público. Acredito que a velocidade da gestão seja maior e a programação fique mais dinâmica", diz Ricardo.

"A Prefeitura aporta um recurso e a gente vai buscar no mercado privado um outro tanto, dobrando a capacidade. Para o ano, a Prefeitura aportou R$ 4 milhões e fomos atrás de mais R$ 4 milhões", diz Luciana.

"Poderiam existir outros equipamentos geridos por outras organizações sociais qualificadas. Uma vez que você qualifica o município, o gancho de um museu possibilita a captação de recursos, criando uma velocidade na gestão e na execução."

MARCOS PASTICH/PCR
Lia de Itamaracá em apresentação no Paço do Frevo - MARCOS PASTICH/PCR
MARCOS PASTICH/PCR
Cantata de Natal no Paço do Frevo, em 2022 - MARCOS PASTICH/PCR
HUGO MUNIZ
Encontro de Blocos Líricos no Paço do Frevo - HUGO MUNIZ

Atualmente, o espaço tem patrocínio master do Instituto Cultural Vale e o patrocínio do Banco Itaú e da White Martins, através da Lei Rouanet, contando ainda com o apoio de outros grupos privados. A iniciativa é da Fundação Roberto Marinho.

Na conversa, Ricardo Piquet revelou que a Fundação Roberto Marinho, na qual ele trabalhou, tentou criar uma primeira "OS" do Recife na gestão de João Paulo (2001-2009). "Nós fizemos a restauração dos teatros Apolo e Hermilo Borba Filho. Entre um e outro, tinha um espaço de convivência e a gente fez o projeto".

"Adquirimos todos os equipamentos e, ao invés de doar para a Prefeitura, doamos para uma instituição da sociedade civil, para que ambos se entendessem. Deu certo nos seis primeiros meses, mas depois eles entraram em conflito e não funcionou. Esse é o propósito: funciona se estiver tudo junto."

O caso do Cais do Sertão

Em Pernambuco, o IDG também foi convidado para assumir um convênio emergencial para a inauguração do museu estadual Cais do Sertão, em abril de 2014, no governo de Eduardo Campos. Apesar disso, a continuidade do modelo de "OS" não foi consolidado, pois o governo de Paulo Câmara não formalizou uma licitação.

"Ficou combinado com Campos que ficaríamos seis meses até que o Estado abrisse uma licitação para quem tivesse interesse. Após seis meses, não o fizeram. Arredondamos o prazo para 20 meses, mas a licitação não foi aberta, então saímos, pois o nosso conselho de administração não permitiria continuar. Eles encerraram a parceria, pois não deram atenção ao equipamento e foram muito duros conosco. Ficamos em um prejuízo de R$ 350 mil", revela Piquet.

Próximos passos

Recentemente, o Paço do Frevo criou um plano museológico para nortear suas metas para os próximos cinco anos. Uma delas é chegar ao número de 250 mil visitantes anuais.

"Ainda podemos aumentar muito o número de visitantes recifenses. É comum encontrar recifenses que nunca visitaram o museu em grupos de família, amigos e rodas de conversas. O plano nos oferece um planejamento estratégico para isso", diz Félix.

Outra meta é crescer "além dos muros do museu". "Criamos um acordo de cooperação técnica com a Universidade Católica de Pernambuco para mapear agremiações carnavalescas nos Bairros da Boa Vista, Santo Antônio, São José, Santo Amaro e Ibura. Os musicistas e passistas estão nas comunidades e é muito importante chegar lá para salvaguardar o patrimônio".

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Maestro Spok no Paço do Frevo, no Recife - HUGO MUNIZ/PAÇO DO FREVO
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Museu Paço do Frevo - Google Imagens
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NATAL Paço do Frevo recebe segunda edição da Cantata Natalina nos dias 16 e 17 de dezembro - JOSÉ AFONSO JR/DIVULGAÇÃO

Ricardo Piquet aponta que os museus, em geral, são locais para pensar no passado, no presente e no futuro - contrariando a ideia de "espaço para expor objetos antigos".

"Um museu novo ou tradicional pode usar essa deixa para dizer que cuida do passado, discute o presente e projeta um futuro possível. Isso pode ocorrer desde um museu de ciências, como o Museu do Amanhã, até o Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas, que poderia contar com uma 'área do futuro' da cidade. O que podemos esperar do Recife daqui há 50 anos?", sugere.

O Paço do Frevo funciona das terças às sextas, das 10h às 17h, e dos sábados aos domingos, de 11h às 18h. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia), com entrada gratuita às terças.

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