Conheça as ruínas que refletem sobre a 'fragilidade das civilizações' na Usina de Arte, em Pernambuco
"Fall of the Giants", da dupla Anne e Patrick Poirier, chega ao parque artístico-botânico da Mata Sul após integrar coleção em Nova York: 'As ruínas fazem parte da nossa vida e memória', diz dupla
Nos céus, uma guerra entre deuses e gigantes da mitologia greco-romana deixa rastros na terra: flechas de aço perfuram ruínas de mármore, incluindo a escultura de um olho enimático. Esse é o conceito por trás da paisagem de "Fall of the Giants" (Queda dos Gigantes), de Anne e Patrick Poirier, instalação de arte contemporânea que chegou à Usina de Arte, na Mata Sul de Pernambuco, no último sábado (27).
Esse conjunto de esculturas, assim como a obra geral da dupla de artistas (também arquitetos e arqueólogos), busca instigar reflexões sobre a fragilidade das civilizações e a memória. Assim, está em total sintonia com o espaço - uma usina de açúcar desativada que diz muito sobre o passado econômico e social de Pernambuco.
Apesar desse diálogo, "Fall of the Giants" surgiu em outra época e local. Foi desenvolvida entre 1988 e 1989 para a Storm King Art Center, em Nova York, depois compondo a Coleção Mallin, também de Nova York, até ser adquirida pela Usina de Arte em leilão da Sothebys. Na época da produção, os artistas viviam na Itália - berço da cultura greco-latina.
'Ruínas fazem parte da nossa vida e memória'
"No momento da produção dessa obra, estávamos com um trabalho sobre o mito de um gigante grego, um Deus e a guerra entre os dois. É uma guerra de energias subterrâneas e obscuras contra a força da inteligência e da razão", explica Anne Poirier, durante visita do JC à Usina de Arte.
"Esse tipo de guerra ocorre em várias mitologias, sendo uma questão universal. A obra foi pensada na Itália, mas a sua universalidade a faz ser pensada também no Brasil. Assim, uma obra que não foi feita para este lugar, está encontrando, de fato, um balanço intelectual aqui."
Apesar da universalidade, o trabalho dos Portier está sempre em diálogo com os lugares onde vivem. Anne nasceu em 1941, em Marselha. Patrick nasceu em Nantes, em 1942. "Nascemos durante a Segunda Guerra Mundial. O pai do Patrick morreu em um bombardeio. As cidades foram destruídas na guerra. Então, as ruínas fazem parte da nossa vida e memória", diz Anne.
Inspiração arqueológica
Anne e Patrick moraram um período em Roma, na Itália, quando se aproximaram ainda mais da arqueologia e da cultura mediterrânea. "Em determinado momento, o nosso trabalho ganhou um olhar para o passado, mas usando disso para mandar recados para o hoje. Nos sítios arqueológicos, encontramos muitas esculturas que olhavam para nós do passado para o presente", acrescenta Patrick.
"Muitas esculturas antigas são quebradas: existem fragmentos de nariz, perna e boca. Mas, o olho geralmente permanece intacto. Esse é um elemento da escultura que sempre resiste e, por isso, olha para o futuro", diz, justificando a presença de um "olho gigante" no conjunto das esculturas.
O conjunto escultórico de oito peças é disposto de forma teatral, trazendo ainda colunas e setas. Na Usina, estão em um ambiente para o qual foram pensados: ao ar livre, em sintonia com o meio ambiente.
Brasil
A natureza, inclusive, chamou bastante a atenção do casal, que esteve pela primeira vez no Brasil. Em cerca de uma semana, eles puderam conhecer o terreno da usina, que fica em um distrito do município de Água Preta, na Mata Sul de Pernambuco, e já começaram a idealizar novas obras para o parque artístico-botânico.
"Estamos adorando o espaço e absorvendo tudo. É muito bom que esse projeto esteja integrado com a comunidade local. Vimos que existe uma biblioteca e um FabLab. Todas essas possibilidades oferecidas pela Usina de Arte são uma experiência fantástica para nós", diz Patrick.
"O FabLab é uma super vanguarda se você está pensando em projetos culturais para uma comunidade. Não conhecemos algo similar na França", comenta Anne.
Simbolismo
Bruna Pessôa de Queiroz, presidente da Usina de Arte, comenta a importância de propostas que pensem criticamente o território e o contexto socioeconômico do Estado e do país.
"Quando falamos de fragilidade das civilizações e da passagem do tempo, é algo muito simbólico para a gente. Essa região toda viveu da cana de açúcar e agora vive um novo começo, um novo significado econômico. Então, essas histórias de quedas e renascimentos dialogam muito com o nosso projeto", diz.
Outras obras presentes no parque artístico-botânico trazem essa ideia, como "Claro-Escuro", instalação de Alfredo Jaar que colocou um letreiro no topo um antigo prédio com uma frase escrita por Antonio Gramsci na ascensão do nazifascimo - "O velho mundo está morrendo, o novo tarda a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros".
Outros exemplos de obras que dialogam com essa ideia de fragilidade civilizacional são "Ligas Camponesas", de José Rufino, "Cabanos em Matas de Água Preta", de Liliane Dardot, e "Cabeça de Bandeirante", de Flávio Cerqueira.
A Usina de Arte
A cerca de 150km do Marco Zero do Recife, o Parque Artístico-Botânico da Usina de Arte conta com mais de 40 obras instaladas em 33 hectares de terreno. O espaço é aberto à visitação do público, das 5h30 às 18h, e tem acesso gratuito. No entorno, estão brotando empreendimentos como pousadas e restaurantes - também existe a opção de camping na própria Usina.
* O repórter viajou a convite da Usina de Arte