Carnaval de Olinda: Ausência de orquestras itinerantes impactou paisagem sonora da festa
Entre 2020 e 2023, número de orquestras itinerantes caiu em 82%; neste ano, Prefeitura optou por colocar orquestras em cinco pontos fixos da Cidade Alta
Passado o Carnaval de Olinda de 2024, um dos principais comentários acerca da festa nas redes sociais foi uma certa ausência de música das orquestras nas ruas, em diversos horários. Com vias "ociosas" de músicos, caixas de som eletrônicas protagonizavam a movimentação dos foliões.
Alguns ficaram com a impressão de que isso seria uma demonstração da falta de agremiações, como troças, blocos e clubes. De fato, algumas agremiações deixaram de passar por ruas muito movimentadas por uma questão de fluidez.
Contudo, um outro detalhe pode ajudar a explicar o fenômeno: a descontinuidade nas contratações de "orquestras itinerantes", iniciativa na qual a Prefeitura de Olinda pagava grupos para circularem pelas ruas - criando movimentação enquanto os blocos não passam.
Em 2020, antes da pandemia, o poder municipal divulgou que fez 400 contratações de orquestras de frevo itinerantes para circulação ladeiras históricas da cidade. Em 2023, no primeiro carnaval pós-pandêmico, o número divulgado caiu para 72 orquestras, uma queda de 82%.
Pontos fixos
Procurada pela reportagem para informar sobre a quantidade de orquestras itinerantes em 2024, a Prefeitura de Olinda informou que "optou por deixar as orquestras concentradas em cinco pontos fixos, das 9h às 16h".
Os pontos fixos citados foram: Rua do Bonfim, Praça João Alfredo (Igreja de São Pedro), Largo do Amparo, Mercado da Ribeira e Prefeitura. Sendo assim, a iniciativa itinerante, que tem pelo menos 30 anos na folia da cidade, sequer foi realizada neste ano.
A Prefeitura não informou qual a quantidade de orquestras utilizadas nesses "pontos fixos", porém, somando com as orquestras usadas por blocos, ocorreram "485 lançamentos".
'Faz muita falta'
Luiz Carlos Vieira da Silva, o "Lulinha", presidente do Grêmio Musical Henrique Dias, opina que as orquestras itinerantes ajudavam muito os músicos.
"Iria ajudar, inclusive, o Grêmio. Hoje, trabalhamos com cerca de 45 a 50 músicos, incluindo jovens e adultos. Daí, isso faz muita falta mesmo", diz. O Grêmio Henrique Dias, que está completando 70 anos, é a primeira escola profissionalizante de frevo em Olinda.
Lulinha comenta que as orquestras itinerantes já existiam quando ele começou a tocar, em meados dos anos 1990. "Entre 1995 e 1997, era uma abundância muito grande. Supria muito os músicos", relembra.
"Hoje, infelizmente, a atual gestão pecou muito nisso. Inclusive, a Henrique Dias foi uma das prejudicadas porque só fizemos a abertura do Carnaval de Olinda. Ligaram para mim na sexta pré-carnaval para que fizéssemos esses pontos fixos com 12 músicos, mas não tínhamos mais disponibilidade após fechar com agremiações. Também tocamos pela Fundarpe", diz.
Pouca diversidade
Um outro músico de orquestra da cidade, que não quis ser identificado, comenta que a iniciativa itinerante ajudava orquestras menores, pois as mais famosas costumam ter agendas lotadas no período carnavalesco.
"As itinerantes são orquestras pequenas, muitas vezes de fora, com o pessoal que vem do interior. Porém, nas iniciativas desse tipo atualmente apenas umas três ou quatro orquestras costumam ser chamadas pela Secretaria de Patrimônio, Cultura e Turismo. São sempre os mesmos grupos, nunca muda", diz.
"O Carnaval de Olinda está acabando aos poucos. Não se acaba porque o público que faz, as agremiações particulares que fazem. A Prefeitura ajuda um ou outro, mas os blocos pequenos não tem ajuda, assim como pelo menos metade das orquestras. O pessoal gosta e tem prazer de fazer carnaval."
Caracterização do Carnaval
Magdalena Almeida, professora e historiadora que integra o Comitê de Salvaguarda do Frevo, comenta que as orquestras são uma necessidade para a garantia da caracterização do Carnaval em cidades como Olinda e Recife.
"Falar disso é quase uma redundância. Lamentar pela falta de orquestras circulando pelas ruas, seja do Recife ou de Olinda, deveria ser desnecessário. O necessário é despertar os gestores públicos no sentido de atentar para as necessidades dos profissionais que fazem o frevo, como passistas e músicos, e na caracterização das cidades como atrações turísticas", diz.
"Acho que tinha de ter orquestras por mais tempo, inclusive fora do período carnavalesco. Defendo que o frevo tem que fazer parte do cotidiano das cidades, como parte da caracterização turística e consolidação das práticas culturais locais. Precisamos ter uma relação para que o frevo identifique a cultura local".